terça-feira, 31 de outubro de 2017

6ª PARADA: CARAGUATATUBA

ABANDONADO EM CARAGUÁ - TER, 31/10/17


53,6Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1256308520
Progresso da viagem: 93,8% (487Km)




Saindo de Ubatuba a BR-101 curva à direita e logo de cara somos surpreendidos pelo visual da praia grande de Ubatuba. O mar estava de um verde-esmeralda indecente e as ondas fortes naturalmente eram desafiadas por vários surfistas. à frente, o mar tornava-se oceano sem nenhuma ilha ou massa de terra, o azul do mar perdendo-se no horizonte, unindo-se à brancura das nuvens. Parei sob uma cobertura de palha de um quiosque para apreciar o lugar; o vento forte e constante logo trouxe nuvens bastante carregadas que iam bater-se nas encostas da serra... logo houve chuva lá em cima nas matas fechadas! Repentinamente o Sol rasgou as nuvens escuras e vi a oportunidade de evitar o vendaval. Voltei à estrada e pedalei até o mirante que separa a praia grande da praia seguinte, chamada Toninhas e lá tentei registrar a beleza do lugar! Quisera eu ter saído mais cedo do Hostel para entrar no mar!
Com altimetria amigável, passei veloz pro praias que mereciam uma visita no mínimo para registro fotográfico; o litoral norte paulistano ia se revelando bem melhor de praias que o litoral sul fluminense. Aqui as praias dão para mar aberto, recebendo as ondas em bom tamanho para o surfe e águas constantemente renovadas, sem a estagnação poluída das baías e enseadas na região de Angra. Não fosse o tempo, constantemente ameaçando chuva ou encoberto, teria sido difícil deixar para trás essas praias! Surgiram algumas subidas de morros não muito grandes, porém, extenuantes pela inclinação e o desgaste físico acumulado. Eu realmente precisava de um ou dois dias sem pedalar para recuperar a musculatura! Sucederam-se mais praias pequenas, algumas já adensadas de ocupação semi-urbana, outras quase desertas. à beira da estrada vez ou outra apareciam minas d´água onde alguns motoristas param para encher garrafas. As montanhas do litoral vertem abundantemente água cristalina seja em cachoeiras e cascatinhas, seja em minas canalizadas em bicas bem à margem do acostamento! Dos rochedos pendem, onipresentes, enormes samambaias, avencas e cipós verdes e muitas vezes o acostamento aparece coberto de frutinhas de alguma árvore. Infelizmente, também é constante a visão de vida silvestre abatida pelos carros na rodovia: micos, cobras, passarinhos de todo tipo... algumas propriedades à beira da estrada também dispõem de forma descuidada os lixos para coleta, de forma que atraem cães vagabundos que o reviram,espalhando-o, e atraindo animais silvestres para o pouco familiar perigo da estrada!

Por volta das 15:00 cheguei à região de Maranduba onde três praias estabelecem uma faixa de areia quase contínua de uns 6 quilômetros. Parei em um deck construído no limiar da faixa de areia para comer algo; começou a chover fraco e vesti a roupa de chuva! Mais à frente, próximo ao fim da praia, um parque aquático flutuante  sustenta no mar uma grande armação com toboáguas. Nas praias seguintes já iam surgindo bairros suburbanos de Caraguatatuba e avistei ao longe a costa norte de Ilhabela. Entrando na cidade pelo norte avista-se as obras de dois grande túneis cavados na face de um morro, acessados por um elevado também ainda em obras. É um futuro desvio da BR-101 por fora da cidade que, atualmente, estrangula a rodovia!
Caraguatatuba não me pareceu simpática como Ubatuba logo de início, com grandes bairros desordenados e favelas além do trânsito menos amigável. Apesar de existirem ciclofaixas na principal via da cidade (a própria BR-101), os motoristas mostraram-se muito menos pacíficos à convivência com as bicicletas. Em alguns trechos achei melhor seguir por ruas secundárias em decorrência disso!

Para uma permanência, a priori, de um dia na cidade, contatei e consegui a confirmação de recepção por mais uma pessoa no Couchsurfing; combinamos encontro em frente a um mercado por volta das 18:00 e cheguei quase que pontualmente. A noite foi caindo, a escuridão chegando rápido devido ao céu nublado e nada de a pessoa aparecer. Em 1 hora de espera eu já havia enviado mensagens ainda não visualizadas no Whatsapp e comecei a ligar... nada! Indicava sempre caixa postal! Com a bateria do celular quase esgotada, entrei no mercado para colocá-lo em uma tomada e fiquei vigiando a bike por uma janela. passava das 20:00 e nada de eu conseguir fazer ou receber contato e tive que considerar o pior: a pessoa havia simplesmente desistido de me receber sem qualquer aviso! Passei a pesquisar então campings e hostels na cidade; assim, em cima da hora, os preços eram abusivos com hostels aproximando-se ou igualando-se a um quarto de hotel em São Paulo! 
Finalmente contatei um camping perto de onde eu entrara na cidade e por volta das 21:30 deixei o mercado para o risco que eu sempre evitei em toda a viagem: pedalada noturna! Ao sair do mercado, o celular caiu ao asfalto quebrando a tela... pronto! A tela quebrara de tal forma que não mais respondia a qualquer comando e me vi sem o precioso GPS para chegar ao camping. Tive de prosseguir a procura somente com o nome do camping e o trajeto mais ou menos memorizado... não encontrei! Como quase todo camping, não existe qualquer placa ou sinalização além das do próprio local, por mais próximo que se esteja! Perguntei a pedestres mas ninguém reconhecia o nome do lugar... desisti e passei a procurar por outro camping indicado pelos próprios pedestres e adentrei um bairro praieiro onde as indicações das pessoas me levavam a ruas desertas e escuras. O celular começou a tocar e a tela não me permitia atender. Tocou mais duas vezes e concluí que era, certamente, a pessoa do Couchsurfing que me receberia! Cansado e estressado pela inutilização do celular, somente por volta das 23:00 finalmente encontrei o camping indicado, de um sujeito que chamavam "cabelo". Uma casa com amplo  quintal frontal estava ainda sendo convertida no tal camping, com um estrado de madeira e com cobertura de lona ainda por ser concluído. O dono prendeu um cão gigantesco para me receber com pouca cortesia. Cobrou mais do que o lugar justificava, obviamente explorando minha situação. O lugar fedia a fezes de cachorro, espalhadas pelo gramado em grandes montes... havia um banheiro com chuveiro quente pelo menos! Armei a barraca, tomei um banho e com o barulho de uma chuva fraca que começava, acabei dormindo logo, vencido pelo cansaço, apesar de poder sentir através do isolante e do saco de dormir os vãos entre as tábuas do estrado. Nesta noite de 31 de Outubro, noite de Halloween na cultura estadunidense, as bruxas estavam soltas em Caraguatatuba!
Despertei por volta das 7:00 com o canto de algum galo e algazarra de periquitos. São as únicas coisas boas que tenho a contar de Caraguatatuba! O celular havia chamado uma meia dúzia de vezes até pouco antes da meia-noite e finalmente descarregou! Estive tão transtornado na noite anterior que somente de manhã, com a mente um pouco desanuviada, me ocorreu que eu poderia ter pedido emprestado um aparelho ao dono do camping ou a qualquer outra pessoa para, com um rápido transplante de chip, fazer ligação de retorno. Enfim, não era para ser! Desmontei a barraca e o dono do camping apareceu com a descarada pergunta "dormiu bem?" quando eu já ia guardando tudo nos alforges! Respondi secamente que jamais havia ficado em pior lugar em toda a minha vida, que contra-recomendaria e que jamais voltaria àquela cidade! Ele tentava argumentar que ainda estava implantando e que indo às praias ali perto eu logo veria que a cidade valia a pena... e eu: "praia de cidade? Com a água cheia do que vocês mandam embora em vossos vasos sanitários? Dispenso!"
Parti sem me despedir e sem olhar pra trás; tudo o que eu queria era ir embora daquele lugar e me afastar de tudo que deu errado ali! Pedalei para o centro e lá encontrei uma loja de reparos de celular onde providenciei a troca da tela do Moto G 2 por R$ 180,00! A loja localizava-se em uma rua exclusiva para pedestres; enquanto aguardava o reparo, o Sol rompeu as nuvens e fui em busca de um pouco de doçura na sorveteria em frente. O reparo demorava, aguardando a vinda de peça de uma outra loja, localizada nas cercanias. Deixei o celular dando carga na própria loja até que abrisse o restaurante ao lado, onde eu adiantaria o almoço! Eu já ia pensando em desistir de todo o resto da viagem, até aquele momento planejada para encerrar-se em Santos. Por volta das 1:00 o restaurante abriu e eu liguei o celular; pipocaram mensagens de ligações perdidas e mensagens recebidas no Whatsapp, todas, evidentemente, da contato no Couchsurfing. Ela tentava se justificar dizendo que havia esquecido o celular em casa e que ao invés de ir me encontrar, havia ido direto para a faculdade. Completou dizendo que esquecera de passar meu número ao marido e que por volta das 22:30 começaram a rodar a cidade me procurando! Fantástico, não? Quem se diz viajante e se diz pronto a receber outros viajantes não comete esses erros crassos, sobretudo sabendo que o viajante sempre é a parte vulnerável por estar distante de lugares e pessoas familiares! Configuro a situação como abandono mesmo por uma total irresponsabilidade por parte destes contatos e gerei um reporte de todo o acontecido nos depoimentos no aplicativo, bem como uma negativação! A intenção não é prejudicar a reputação destas pessoas mas sim expor um erro crasso que, talvez, quase nenhum usuário da plataforma considere possível acontecer; com isso, pelas leituras dos comentários, outras pessoas poderão se precaver de errar feio, tanto sendo anfitriões como sendo hóspedes! Todavia, também tive a minha lição: nunca mais confiar "cegamente" nos contatos do aplicativo e sempre ter uma reserva de camping ou hostel como plano B. Foi aí que errei feio!

Almocei no restaurante enquanto o celular dava mais carga no balcão de atendimento. Eu havia feito um contato, também pelo Couchsurfing, para uma noite em Ilhabela e, obtendo a resposta positiva, bem como estabelecendo precauções de contato, resolvi dar a volta por cima e não finalizar a viagem! Não poderia voltar para casa com essa péssima experiência como última impressão! 
Sem qualquer remorso de não explorar nada do lugar, deixei Caraguatatuba por volta das 12:30 rumo a um paraíso no litoral paulistano... rumo a Ilhabela!




Nenhum comentário:

Postar um comentário