quarta-feira, 25 de outubro de 2017

CICLOVIAGEM MINAS - SAMPA, 1ª PARADA: VASSOURAS/RJ

VASSOURAS/RJ - QUA, 25/10/17


138,9Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1246867683

Progresso da viagem: 24,4%
Trajeto total programado: 519Km



O dia amanheceu nublado em Juiz de Fora após uma noite inteira de chuva! Acordei por volta das 6:30 sem ter dormido tanto quanto devia, a ansiedade quebrando o sono em muitos despertares na madrugada! Só levantei às 7:00 e fui  arrumando as ultimas coisas nos alforges.  Logo também se levantaram Denise e o seu Wagner e comemos juntos o desjejum! Havia um pouco de aperto no peito pois gostei muito deles e realmente fizeram sentir-me em casa! Por volta das 9:00, despedi-me deles no portão, a "namoradinha" já toda carregada pesando em torno de 40kg; parti olhando-os pelo retrovisor... quem sabe um dia eu volto, né?

Sair de Juiz de Fora foi mais difícil do que eu supunha; seguindo a sugestão de rota do Google Maps, comecei subindo um morro em direção a um bairro corretamente chamado Terras Altas e, dali, desci rumo a uma baixa onde encontrei a BR-267 (Rodovia Vital Brasil). Errei o caminho em um balão e pedalei ao menos uns 2km em direção à cidade de Bicas, erro que percebi ao parar em um posto para calibrar os pneus e conferir o mapa!. Retornei ao balão e errei novamente, deparando-me com uma estrada de chão, achando que ali continuaria a rota para a BR-040! Com boa memória do sufoco em João Pinheiro com a bike carregada em estrada de chão e, ainda por cima, estando aquela cheia de poças de chuva recente, desisti! Voltei ao balão e subi o morro novamente, voltando ao bairro do seu Wagner e tracei a rota para a BR-040 por dentro da cidade mesmo! Que sufoco aquela subida! Por três vezes precisei parar por dois ou três minutos afim de tomar fôlego e também precisei empurrar pois haviam trechos absurdamente íngremes. Em minha mente vinha a lembrança da saída de Três Marias! Essa brincadeira toda me custou precioso tempo pois, embora eu tivesse a cidade de Rio Claro no meio do caminho como opção, o objetivo do dia era Vassouras, a 127km!
Cortando Juiz de Fora por dentro e pegando a Avenida Deusdedit Salgado a partir do centro, consegui sair da cidade pela entrada principal apenas por volta das 10:15, um tanto preocupado com o tempo para chegar a Vassouras! A BR-040 finalmente reapareceu aos meus olhos quase como uma "velha companheira", muito amigável aqui neste início, duplicada e bem sinalizada! Ela, contudo, já não é a mesma daqui pra frente pois a concessão privada termina justamente em Juiz de Fora. Dali em diante não haveria o apoio dos Pontos de Atendimento ao Usuário a cada 50km que tanto me ajudaram de Brasília a BH! O tráfego estava moderado com a presença maciça de caminhões de todos os tamanhos e tipos e o cenário era muito bonito com as serras, morros e campos todos verdejantes! Com uma sequência de decidas, até a divisa de estados a altimetria despenca de 800 para 300 metros de altitude; desenvolvi ótima velocidade e alcancei a divisa por volta do meio-dia! 


Com mais uma passagem sobre o rio Paraibuna (que desce lá de Juiz de Fora), estava prestes a adentrar o estado do Rio de Janeiro! Parei para fotografar a terceira divisa de estados da viagem, comi alguns carboidratos e prossegui, margeando morros cortados para a passagem da estrada, cascatinhas d´água descendo pelas paredes de pedra e quase "chovendo" sobre mim no acostamento! Uma abundância de samambaias encravava-se nessas encostas úmidas e, à esquerda por alguns quilômetros, o rio Paraibuna com suas águas turvas! Mais adiante a estrada passou por cima de um pontilhão embaixo do qual surgiu o primeiro bairro de Três Rios; perdi algum tempo tentando encontrar uma forma de descer e já adentar a cidade por ali mas foi em vão! Continuei pela BR-040 para a entrada principal da cidade, as placas indicando direção e proximidade de Petrópolis cada vez mais sedutoras, pois sempre quis conhecer a "cidade imperial"! Resolvi deixar para uma outra oportunidade, apesar de já estar tão perto!
Três Rios é uma cidade pequena e que, a exemplo de Juiz de Fora, parece ter surgido (ou ao menos se desenvolvido) em torno da ferrovia e algumas grandes indústrias do passado! Aqui já deu pra sentir alguma diferença cultural e mesmo urbanística, com as partes pobres da cidade muito semelhantes às favelas cariocas; finalmente, depois de tanto morro em Minas, uma cidade mais plana! Pedalei relativamente tranquilo por ruas estreitas até chegar ao centro, onde o trânsito estava confuso, porém, "encarável". à cata do almoço que já ia atrasando, parei por volta das 13:00 em um restaurante no centro da cidade! Lá fora, o trem apitava ferozmente sua passagem forçada em meio à massa de carros e gente, apenas uns 50 metros à frente do restaurante; a ferrovia ainda não tem desvio para fora da cidade! A verdade é que, como diz uma tia minha, mesmo reconstruindo a ferrovia ou aeroporto distante da cidade, o povo vai pra lá morar em volta e depois fica reclamando de barulho de avião e trem, do perigo, etc.! No restaurante a trilha sonora era péssima, não pela seleção de músicas (muito boa por sinal), mas pela execução do couvert que abusava de efeitos no teclado eletrônico e cantava (ou fazia algo perto disso) versões em português de músicas estrangeiras:






A pior Knockin on Heaven´s Door que já ouvi! Terminada uma farta refeição, fiz contatos com meu próximo anfitrião e parti!

*  *  *





O lado de Três Rios por onde se sai para Vassouras é conduzido pelo traçado da ferrovia por bairros pacatos, de gente sentada às soleiras das casas simples sem portão, ao rés da sarjeta, onde o tempo parece passar devagar! Os morros foram tingidos com a luz amarelada do Sol vespertino que resolvera dar o ar da graça desde a entrada na cidade! Passando por um balão, deixei Três Rios para trás e enveredei pela ótima BR-393, também privatizada. Esta foi a estrada de interior mais bonita que peguei em toda a viagem! Fosse pela luz, fosse por mérito próprio, a paisagem no vale do rio Paraíba do Sul tornou prazerosos e mais fáceis a maior parte dos 60Km até Vassouras! à direita a presença constante de montanhas e serras que fazem parte do maciço divisor entre Rio e Minas e, à esquerda, a ferrovia cortando as fazendas e sítios, às vezes às margens da rodovia, às vezes lá pra dentro dos pastos salpicados de gado e cavalos; o rio ia também no meio e tudo terminava em outra cadeia de morros e serras, de forma que a viagem transcorre numa espécie de corredor geológico! A ferrovia acabou no povoado de Andrade Pinto, num tramo antigo de fazenda onde, num passado distante, provavelmente era carregado de pecuária e agricultura. O rio cruzou por baixo da estrada e foi-se para a direita; eu o reencontraria dali a alguns dias! Passado o bívio para Miguel Pereira, começou uma gradual mas constante subida que só cessaria em Vassouras! Em vários trechos, a estrada de pista única estava em obras de reforço e recapeamento em um dos sentidos, fazendo com que somente uma faixa do outro sentido fosse disponibilizada alternadamente para os dois fluxos, liberados e parados nas extremidades do trecho em obras! Com isso, os fluxos tornavam-se intermitentes e tudo vinha em comboio cerrado; uma quantidade grande demais de caminhões trafegava ali e subia sofregamente a serra! A subida cessou no acesso ao povoado de Maçambara e então predominaram as descidas. Fiz uma pausa de uns 20 minutos num ponto de ônibus rural para lanchar alguns morangos, suco e bolachas. Um ônibus escolar surgiu e parou numa entrada de estrada vicinal à frente onde um homem aguardava a criança. Entraram pela primeira porteira ali perto e adentraram um arvoredo rumo a uma casinha encravada lá em cima, na metade de um morro. A passarada fazia certa algazarra e pululavam grilos no acostamento! As sombras de tudo, já alongadas, diziam que era hora de ir!

Com o Sol já sumido por detrás das montanhas, cheguei a Vassouras e parei em frente a um supermercado! Contatei mais uma vez meu anfitrião para traçar a chegada ao endereço dele e então segui por ruas de pedras um tanto desconfortáveis para quem pedala. Foram a prova de fogo dos alforges! Segui para a pequena rodoviária da cidade e, finalmente, encontrei-me com meu anfitrião!

Encontrei o Thomás no Couchsurfing apenas dois dias antes, quando estava em Juiz de Fora! 22 anos, estudante de Medicina, mora sozinho num apartamento em Vassouras em função dos estudos mas a casa da família é em Volta Redonda (um pouco mais adiante)! Desmontei os alforges da bike e subimos tudo para seu apartamento. Recebeu-me calorosamente e tratou de me deixar à vontade, dispondo para mim um colchão em sua sala, a cozinha totalmente disponível e uma cópia da chave caso eu precisasse sair. Papeamos pouco pois logo saiu para algum compromisso e caiu a primeira noite em Vassouras! Eu já conhecia a cidade por mapa e fotos de satélite, então saí para fazer um reconhecimento das cercanias e comprar algumas coisas num mercadinho ali perto. Não andei muito pois estava exausto da pedalada que, com 138,9Km, constatei depois, ao encerrar atividade no Strava, que era a mais longa que eu já fizera na minha vida até então! Eu havia pedalado 12 quilômetros a mais nos erros de trajeto em Juiz de Fora!






Thomás chegou tarde da noite e eu folheava uns livros, convidando o sono! Este chegou-me como um bálsamo para as pernas levemente doloridas, desacostumadas pelos doze dias sem viajar pedalando. Lá fora, uma chuva fina esfriou e perfumou a noite tranquila. Na manhã seguinte Thomás foi cedo para a Faculdade e, ainda pela manhã, saí para conhecer um pouco mais do centro da cidade encontrando, inclusive, a antiga estação de trem! Ele revelou não ser muito íntimo da cozinha, então preparei nosso almoço: filés empanados de merluza, arroz branco, purê de batatas e uma omelete! Tendo retornado das aulas, almoçou comigo e então pegou um tempo disponível em sua tarde para levar-me a conhecer alguns lugares. Dispondo de carro, fomos à praça da igreja matriz da cidade, que felizmente estava aberta. Conheci-a por dentro com belas decorações pintadas, ora em murais, ora em relevos de gesso. Dois confessionários de madeira dispõem-se nas laterais da nave única e há até um coro! Dali saímos pela praça até o Casario Shopping, o centro comercial da cidade que consiste em lojinhas de tijolinhos em torno de pátios internos a céu aberto, ajardinados e com pergolados, como se constituíssem mini-praças da cidade! Na porção principal, uma galeria de dois andares tem no térreo os restaurantes e botequins mais refinados e, em cima, o cinema! Em seguida fomos ao Museu Casa da Hera, um casarão de família abastada do ciclo cafeeiro. Infelizmente não pudemos entrar devido ao esgotamento das visitações do dia, tanto pela chegada de um numeroso grupo de estudantes em passeio de escola quanto pelo horário! Ficamos então a caminhar pela propriedade conhecendo um bambuzal onde as touceiras, dispostas seguidamente em dois lados, curvam-se sobre um caminho como alameda, além de um local para relaxar composto de estrados flexíveis de madeira penduradas entre árvores como redes; tentei equilibrar-me em uma e fui direto pro chão!
Dali seguimos para o Mirante Vassouras, construído em cima de um morro, de onde pode-se ver toda a cidade! Para todos os lados, morros e vales Rio de Janeiro a dentro; uma foi ali feita para quiosques e lanchonetes e três cães preguiçosos dormiam ao Sol. Thomás contou-me que tinha aquele lugar por refúgio onde costumava ir com os amigos para curtirem o tempo livre com música, vinho barato e pitando algum baseado! Olhando a cidade dali reconheci-a dos vídeos aéreos que eu vira no You Tube, acompanhando o canal de ciclo-viajantes vassourenses. Não tardamos pois Thomás tinha outro compromisso, então voltamos a seu apartamento!
À noite saí para ver um pouco da vida notura na Rua Broadway (sim, Vassouras tem uma rua chamada Broadway) onde ficam alguns bares, café, lanchonetes, padarias, mercados, enfim, todos os tipos de comércio! Comprei alguns mantimentos e lanchinhos já preparando o dia seguinte de viagem e, de volta ao apartamento, organizei os alforges!




Embora o Thomás tenha estado boa parte do tempo (senão a maior parte) em compromissos, tanto da faculdade quanto sociais, foi um excelente anfitrião e sinto que fiz um amigo! Foi-me muito cordial e gentil o tempo todo e é mais uma dessas pessoas que eu não acreditava que encontraria na viagem mas encontrei! A viagem teve muito disso em seus porquês: procurar gente nova com boas conversas, viver um pouco do humano em tempo de impessoalidades virtuais! Thomás foi um achado em Vassouras como o João lá em Paracatu e ambos, inclusive, por um aplicativo (Couchsurfing) que eu nunca usara antes e no qual não botava nenhuma fé! Embora a cidade de Vassouras tenha surgido, na programação da rota de viagem, apenas como uma parada rumo ao litoral, foi aqui que conheci esse cara legal que eu quero reencontrar um dia!
Muito obrigado, Thomás! Grande Abraço!













Maria-Fumaça atrás do prédio da estação, no centro de Vassouras
Praça da matriz

Praça da matriz









Museu Casa de Hera







Museu Casa de Hera

Vista do MIrante Vassouras













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