sexta-feira, 27 de outubro de 2017

2ª PARADA: ANGRA DOS REIS

ENFIM, A DESCIDA PARA O LITORAL - SEX, 27/10/17


147,6Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1249759000

Progresso da viagem: 52,2% (271Km)


A manhã de saída de Vassouras estava fresca e com céu encoberto e o capim às margens da rodovia brilhava salpicado pelo orvalho! Eram por volta das 8:30 quando reencontrei a BR-393 ainda sem definir meu destino final do dia; pretendia alcançar Angra dos Reis, todavia, antevendo uma subida de serra antes da descida para o mar, além da distância ser a maior que eu pedalaria até então. Pensei que talvez tivesse que ser mais humilde e parar em Rio Claro, no meio do caminho! Parei rapidamente em um auto-posto para abastecer-me de água gelada (a garrafa pet de dois litros enrolada no isolante térmico, minha geladeira improvisada) e retomei a jornada!
A estrada tinha um trânsito relativamente tranquilo (considerando-se que leva a Volta Redonda, uma das principais cidades fluminenses) com muitos caminhões e a paisagem manteve-se na alternância entre campos úmidos com pasto e matas de galeria. Logo ressurgia o rio Paraíba do Sul que segue uns 8km à margem esquerda da estrada até a entrada em Barra do Piraí, que alcancei em cerca de hora e meia de pedalada! Cruzando sobre o rio, adentrei o centro da cidade, um tanto espremida em ruas que não acompanharam o crescimento dos veículos e do trânsito. Um amedrontador viaduto em curva, altíssimo sobre um brejo poluído, sem acostamento e quase sem guarda-corpo foi um teste de coragem, já que era a única forma prática de prosseguir minha rota. Prossegui pela RJ-145, estradinha de interior, sem acostamento e relativamente tranquila, muito ensombreada por vegetação densa.
Rio Piraí às margens da RJ-145
Aqui a paisagem transformou-se com a presença constante do rio Piraí à margem direita da estrada, volumoso e de águas tranquilas. O céu, os morros e as matas circundantes refletidos no rio promoviam verdadeiras pinturas e parei um sem número de vezes para tentar registrar os cenários; eu não pedalava três quilômetros sem querer fazer uma foto! Com isso, demorei-me um pouco a mais nesse trajeto até alcançar a cidade de Piraí, por volta das 12:30. Adentrei esta cidade passando por uma antiga ponte de arco suspenso que deve ter sido ferroviária, passei por uma pequena usina hidroelétrica e parei para comer algo em um passeio público às margens do rio. Funcionários da limpeza pública conversavam animados jogando algum carteado em mesinhas. Olhavam curiosos para a bike com os alforges. Fiquei ali apenas meia hora, tempo de "almoçar" alguns lanchinhos (afim de ir reduzindo o peso dos alforges) e segui para atravessar a cidade onde as ruas ora são asfaltadas, ora são de pedra. Logo na saída da cidade passei sob um grande viaduto; em cima, a famosa Rodovia Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. Prossegui pela RJ-145 desenvolvendo ótima velocidade nesse trajeto quase perfeitamente plano, serpenteando os sopés de morros às margens do rio Piraí. As pontes sobre vários cursos d´água não possuem guarda corpo, sendo margeadas apenas por um meio-fio alto; atravessa-las deu medo algumas vezes, muito altas sobre os riachos! Com a paisagem deslumbrante e a estrada tranquila (embora sem acostamento), rapidamente cheguei ao povoado de Passa Três onde troquei de estrada, entrando na RJ-139, também chamada Rodovia Presidente Washington Luiz. Esta era ainda pior: além da ausência de acostamento, o asfalto estava em mau estado e subitamente a altimetria passou a variar com muitas subidas e descidas; surgiu uma serra cuja subida pareceu interminável pois eu estava psicologicamente mal-acostumado com o trajeto plano. Parei umas duas vezes para tomar fôlego e registrar uma visão curiosa e engraçada: o gado, não contente com os pastos planos nos baixios, literalmente escala os morros e vai pastar nas encostas íngremes, parecendo que vão despencar na estrada a qualquer momento! Foi a primeira vez que vi vacas alpinistas, haha! 
Praça da Matriz em Rio Claro

Transposta a serra, senti certo alívio ao encontrar a BR-494 com acostamento e bom asfalto! Após uma grande descida e uns dois quilômetros de falso plano, surgiu outra serra com outros dois quilômetros de subida íngreme e contínua! Foi o obstáculo final para chegar à cidade de Rio Claro, que adentrei por volta das 15:00. Tratei de procurar algo mais consistente para comer mas a cidade, pequena e de comércio tímido, não mostrou opções interessantes de restaurantes. Parei então em uma padaria para um lanche rápido e aumentar a carga no celular; calculando a distância e altimetria, decidi prosseguir para Angra dos Reis, que deveria alcançar ao anoitecer! Saindo da padaria, passei pela praça da matriz onde registrei rapidamente a igreja toda pintada em azul. Em uma farmácia coloquei créditos no celular e parti por volta das 15:30 rumo a Angra, distante 61 quilômetros!

Com a altimetria mais desafiadora do dia, a estrada prosseguiu cerca de 10 quilômetros quase que só de subida, espremida entre os acidentes geográficos da região mais bonita que eu vira desde a saída de Brasília! Eram como memórias de outra vida a imagens de tudo seco e morto em Minas Gerais; no interior do Rio, estiagem parecia ser algo desconhecido àquela natureza tão abundante em águas e plantas. A estrada ia serpenteando às vezes espremida entre morro de um lado e rio do outro, com árvores volumosas às margens fechando quase completamente o céu com as copas de ambos os lados unidas, fazendo da estrada um túnel verde em muitos momentos. Então chegou a Serra de Lídice, uma exaustiva e acentuada subida de dois quilômetros que foi dureza transpôr com a namoradinha pesando 40 quilos. Do outro lado, desci quase toda a altitude feita para então subir novamente até chegar ao povoado de Lídice, o último antes de Angra dos Reis. Aqui parei em uma padaria para mais um lanche sob os olhares curiosos dos funcionários do estabelecimento. O povoado é estruturalmente um tanto rude e tinha uma atmosfera de isolamento, apesar de estar em uma importante estrada. Por volta das 17:30 prossegui tendo pela frente quase 10 quilômetros quase totalmente de subidas, felizmente mais graduais, porém, constantes. 
Eu estava subindo um dos cumes da dorsal da Serra da Casaca, uma parte da cordilheira que se estende quase initerrupta desde o litoral sul de São Paulo até o Espírito Santo, despencando, em todo esse costado brasileiro, de 600 a 800 metros de altitude até o nível do mar. Os vales entre os morros foram ficando cada vez mais profundos e com matas mais fechadas ou mesmo virgens (aparentemente) onde os únicos sinais da existência da humanidade eram as enormes torres de alta tensão, gigantes de aço totalmente isolados nas matas fechadas... eu me perguntava que tipos e tamanhos de esforços teriam sido necessários para encravar em tais lugares esses pilares das nossas necessidades contemporâneas! Com essas e outras reflexões, mal percebi quando surgiu o primeiro túnel à frente na estrada... totalmente escuro mas reto e não muito longo, podia-se ao menos ver a saída. Parei para acender todas as luzes na bike e no capacete; O asfalto deu lugar a paralelepípedos muito antigos, acabou o acostamento e a pista simples de mão dupla espremeu-se no ventre da montanha meio assustadoramente, o interior do túnel muito úmido e com o musgo a cobrir parte das paredes, o chão de pedras bastante molhado... tive medo! Embora houvesse um fluxo relativamente tranquilo de carros, se alguém fizesse qualquer pequena barbeiragem ali, tornar-se-ia acidente sério com certeza! Saindo do túnel, a estrada curvou à esquerda e começou a descer com grande inclinação; à direita surgiu, por entre a vegetação, um vazio entre as montanhas que denunciava que eu havia passado para o lado litorâneo da serra e, de fato, mais adiante, o cenário me tirou o fôlego: uma imensa planície de campos muito verdes abriu-se cerca de 600 metros abaixo e estendendo-se por uns vinte quilômetros até uma pálida faixa azul que se fundia ao céu, diáfanos nas neblinas distantes e à luz do ocaso. Era o mar na baía de Angra dos Reis! Nas encostas dos vales, os maciços da Serra detinham as nuvens vindas do oceano, esfarrapando-as com seus cumes totalmente cobertos de mata cerrada. A bike desenvolveu crescente velocidade nas descidas retas alternadas com curvas muito fechadas feitas lenta e cuidadosamente por todos na estrada. Aqui fiz a maior velocidade da viagem: 64,4Km/h! Mais leve e mais ágil, logo deixei para trás os carros do meu sentido  na estrada e pude gozar do asfalto livre para a minha descida (sempre vigiando pelos retrovisores, claro). 
Pista de pouso de fazenda
Quase dez minutos após iniciada, a descida terminou e me vi na planície totalmente coberta por um capim verde-claro que eu nunca vira, aqui e ali mal escondendo casas rurais. Surgiram o gado e riachos de água muito cristalina descida da serra, convidativas ao banho e para beber, ainda que eu tivesse água potável na bike! Uma pista de pouso apareceu do nada no meio da planície, um provável aeroporto de fazenda ou mesmo regional. Devido ao horário (pois já passava das 19:00 em horário de verão), infelizmente não pude entrar em nenhum dos riachos. Ainda faltavam 20km até Angra e teria que chegar antes de escurecer! Prossegui tendo à direita da estrada o rio Jurumirim e uma garoa fina começou a cair pouco antes de eu chegar ao viaduto da BR-101; entrei em uma das maiores e mais importantes estradas do Brasil, esse colosso com mais de 5 mil quilômetros que começa no Sul e vai até o Nordeste... por ela, segui tranquilo em amplo acostamento margeando os sopés de morros de um lado e a baía de Angra do outro. O céu já escurecia quando alcancei o subúrbio da cidade com a estrada bastante movimentada.

Angra dos Reis é, em certos aspectos, uma cópia reduzida da capital fluminense onde chamam atenção, de imediato, as favelas encravadas nos morros circundantes. Na baía às margens da cidade não há praias, mas tão somente os cais de um pequeno porto de águas muito poluídas! Cheguei com noite fechada e relâmpagos luziam para o lado do mar, de onde vinha uma tormenta! Parei em frente a um posto policial para consultar a localização do camping que eu pesquisara mais cedo e o celular estava a ponto de esgotar a bateria. Andei mais um pouco pela cidade e abriguei-me sob marquises de um comércio central quando o temporal desabou poderoso sobre a cidade, os relâmpagos rasgando as nuvens e descendo à terra nas praias distantes em todo o entorno da baía. As ruas de paralelepípedos ficaram meio inundadas e o vento tentava arrancar tudo o que pudesse... fazia muito tempo que eu não via tal chuva! Tomei um açaí em uma lanchonete onde também pus o celular a dar carga e, tendo a chuva cessado, voltei a vagar pela cidade em busca do camping! O GPS me levou a começar a subida de um morro que, conforme eu subia, ia assumindo cada vez mais características de favela e nada do camping aparecer! Temendo o lugar, desci rápido de volta à cidade e parei em uma delegacia afim de conseguir mais uma carga para o celular e indicações de hostels. Depois de quase hora e meia sem encontrar o camping e com muita dificuldade de encontrar o hostel (uma casa totalmente fechada por muro e portão à frente e com apenas um pequeno banner indicando ser ali o hostel), finalmente encontrei-o! Embora eu tivesse feito reserva cerca de 1 hora antes e explicitado que trazia uma bike de viagem, a gerente me recebeu meio desnorteada com o horário da minha chegada (depois das 23:00) e com o volume dos haveres! O hostel era aconchegante e decorado de forma simples e caseira! Tendo lavado roupas e tomado um reconfortante banho quente, dormi bem, sozinho, em um quarto para quatro pessoas! Embora a diária que eu paguei só cessasse ao meio-dia do dia seguinte, a gerente, com uma dose de falta de profissionalismo e ética, pediu-me que desocupasse o quarto às 10:00 para receber um grupo que chegaria de manhã! Ademais, ainda recebeu meu pagamento de forma um tanto apressada, sem dar troco! Não fiz caso... eu só queria sair logo de Angra dos Reis, cidade que achei feia e imunda, sem qualquer valor turístico sob meu ponto de vista!
Ao salvar no Strava o percurso da viagem do dia anterior, registrei a mais longa pedalada em um único dia que fiz até então: 147,6 quilômetros rodados! Também foi na descida da serra que fiz a maior velocidade da viagem: 64,4Km/h!






A estrada após saída de Vassouras

Proximidades da cidade de Barra do Piraí

Entre Barra do Piraí e a cidade de Piraí



Proximidades de Passa Três



Vaquinhas alpinistas pastando nos morros

Praça da Matriz em Rio Claro

Rio Piraí nas proximidades de Lídice


Planície do rio Jurumirim, após a descida da serra





Na planície após a descida da serra














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