terça-feira, 31 de outubro de 2017

6ª PARADA: CARAGUATATUBA

ABANDONADO EM CARAGUÁ - TER, 31/10/17


53,6Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1256308520
Progresso da viagem: 93,8% (487Km)




Saindo de Ubatuba a BR-101 curva à direita e logo de cara somos surpreendidos pelo visual da praia grande de Ubatuba. O mar estava de um verde-esmeralda indecente e as ondas fortes naturalmente eram desafiadas por vários surfistas. à frente, o mar tornava-se oceano sem nenhuma ilha ou massa de terra, o azul do mar perdendo-se no horizonte, unindo-se à brancura das nuvens. Parei sob uma cobertura de palha de um quiosque para apreciar o lugar; o vento forte e constante logo trouxe nuvens bastante carregadas que iam bater-se nas encostas da serra... logo houve chuva lá em cima nas matas fechadas! Repentinamente o Sol rasgou as nuvens escuras e vi a oportunidade de evitar o vendaval. Voltei à estrada e pedalei até o mirante que separa a praia grande da praia seguinte, chamada Toninhas e lá tentei registrar a beleza do lugar! Quisera eu ter saído mais cedo do Hostel para entrar no mar!
Com altimetria amigável, passei veloz pro praias que mereciam uma visita no mínimo para registro fotográfico; o litoral norte paulistano ia se revelando bem melhor de praias que o litoral sul fluminense. Aqui as praias dão para mar aberto, recebendo as ondas em bom tamanho para o surfe e águas constantemente renovadas, sem a estagnação poluída das baías e enseadas na região de Angra. Não fosse o tempo, constantemente ameaçando chuva ou encoberto, teria sido difícil deixar para trás essas praias! Surgiram algumas subidas de morros não muito grandes, porém, extenuantes pela inclinação e o desgaste físico acumulado. Eu realmente precisava de um ou dois dias sem pedalar para recuperar a musculatura! Sucederam-se mais praias pequenas, algumas já adensadas de ocupação semi-urbana, outras quase desertas. à beira da estrada vez ou outra apareciam minas d´água onde alguns motoristas param para encher garrafas. As montanhas do litoral vertem abundantemente água cristalina seja em cachoeiras e cascatinhas, seja em minas canalizadas em bicas bem à margem do acostamento! Dos rochedos pendem, onipresentes, enormes samambaias, avencas e cipós verdes e muitas vezes o acostamento aparece coberto de frutinhas de alguma árvore. Infelizmente, também é constante a visão de vida silvestre abatida pelos carros na rodovia: micos, cobras, passarinhos de todo tipo... algumas propriedades à beira da estrada também dispõem de forma descuidada os lixos para coleta, de forma que atraem cães vagabundos que o reviram,espalhando-o, e atraindo animais silvestres para o pouco familiar perigo da estrada!

Por volta das 15:00 cheguei à região de Maranduba onde três praias estabelecem uma faixa de areia quase contínua de uns 6 quilômetros. Parei em um deck construído no limiar da faixa de areia para comer algo; começou a chover fraco e vesti a roupa de chuva! Mais à frente, próximo ao fim da praia, um parque aquático flutuante  sustenta no mar uma grande armação com toboáguas. Nas praias seguintes já iam surgindo bairros suburbanos de Caraguatatuba e avistei ao longe a costa norte de Ilhabela. Entrando na cidade pelo norte avista-se as obras de dois grande túneis cavados na face de um morro, acessados por um elevado também ainda em obras. É um futuro desvio da BR-101 por fora da cidade que, atualmente, estrangula a rodovia!
Caraguatatuba não me pareceu simpática como Ubatuba logo de início, com grandes bairros desordenados e favelas além do trânsito menos amigável. Apesar de existirem ciclofaixas na principal via da cidade (a própria BR-101), os motoristas mostraram-se muito menos pacíficos à convivência com as bicicletas. Em alguns trechos achei melhor seguir por ruas secundárias em decorrência disso!

Para uma permanência, a priori, de um dia na cidade, contatei e consegui a confirmação de recepção por mais uma pessoa no Couchsurfing; combinamos encontro em frente a um mercado por volta das 18:00 e cheguei quase que pontualmente. A noite foi caindo, a escuridão chegando rápido devido ao céu nublado e nada de a pessoa aparecer. Em 1 hora de espera eu já havia enviado mensagens ainda não visualizadas no Whatsapp e comecei a ligar... nada! Indicava sempre caixa postal! Com a bateria do celular quase esgotada, entrei no mercado para colocá-lo em uma tomada e fiquei vigiando a bike por uma janela. passava das 20:00 e nada de eu conseguir fazer ou receber contato e tive que considerar o pior: a pessoa havia simplesmente desistido de me receber sem qualquer aviso! Passei a pesquisar então campings e hostels na cidade; assim, em cima da hora, os preços eram abusivos com hostels aproximando-se ou igualando-se a um quarto de hotel em São Paulo! 
Finalmente contatei um camping perto de onde eu entrara na cidade e por volta das 21:30 deixei o mercado para o risco que eu sempre evitei em toda a viagem: pedalada noturna! Ao sair do mercado, o celular caiu ao asfalto quebrando a tela... pronto! A tela quebrara de tal forma que não mais respondia a qualquer comando e me vi sem o precioso GPS para chegar ao camping. Tive de prosseguir a procura somente com o nome do camping e o trajeto mais ou menos memorizado... não encontrei! Como quase todo camping, não existe qualquer placa ou sinalização além das do próprio local, por mais próximo que se esteja! Perguntei a pedestres mas ninguém reconhecia o nome do lugar... desisti e passei a procurar por outro camping indicado pelos próprios pedestres e adentrei um bairro praieiro onde as indicações das pessoas me levavam a ruas desertas e escuras. O celular começou a tocar e a tela não me permitia atender. Tocou mais duas vezes e concluí que era, certamente, a pessoa do Couchsurfing que me receberia! Cansado e estressado pela inutilização do celular, somente por volta das 23:00 finalmente encontrei o camping indicado, de um sujeito que chamavam "cabelo". Uma casa com amplo  quintal frontal estava ainda sendo convertida no tal camping, com um estrado de madeira e com cobertura de lona ainda por ser concluído. O dono prendeu um cão gigantesco para me receber com pouca cortesia. Cobrou mais do que o lugar justificava, obviamente explorando minha situação. O lugar fedia a fezes de cachorro, espalhadas pelo gramado em grandes montes... havia um banheiro com chuveiro quente pelo menos! Armei a barraca, tomei um banho e com o barulho de uma chuva fraca que começava, acabei dormindo logo, vencido pelo cansaço, apesar de poder sentir através do isolante e do saco de dormir os vãos entre as tábuas do estrado. Nesta noite de 31 de Outubro, noite de Halloween na cultura estadunidense, as bruxas estavam soltas em Caraguatatuba!
Despertei por volta das 7:00 com o canto de algum galo e algazarra de periquitos. São as únicas coisas boas que tenho a contar de Caraguatatuba! O celular havia chamado uma meia dúzia de vezes até pouco antes da meia-noite e finalmente descarregou! Estive tão transtornado na noite anterior que somente de manhã, com a mente um pouco desanuviada, me ocorreu que eu poderia ter pedido emprestado um aparelho ao dono do camping ou a qualquer outra pessoa para, com um rápido transplante de chip, fazer ligação de retorno. Enfim, não era para ser! Desmontei a barraca e o dono do camping apareceu com a descarada pergunta "dormiu bem?" quando eu já ia guardando tudo nos alforges! Respondi secamente que jamais havia ficado em pior lugar em toda a minha vida, que contra-recomendaria e que jamais voltaria àquela cidade! Ele tentava argumentar que ainda estava implantando e que indo às praias ali perto eu logo veria que a cidade valia a pena... e eu: "praia de cidade? Com a água cheia do que vocês mandam embora em vossos vasos sanitários? Dispenso!"
Parti sem me despedir e sem olhar pra trás; tudo o que eu queria era ir embora daquele lugar e me afastar de tudo que deu errado ali! Pedalei para o centro e lá encontrei uma loja de reparos de celular onde providenciei a troca da tela do Moto G 2 por R$ 180,00! A loja localizava-se em uma rua exclusiva para pedestres; enquanto aguardava o reparo, o Sol rompeu as nuvens e fui em busca de um pouco de doçura na sorveteria em frente. O reparo demorava, aguardando a vinda de peça de uma outra loja, localizada nas cercanias. Deixei o celular dando carga na própria loja até que abrisse o restaurante ao lado, onde eu adiantaria o almoço! Eu já ia pensando em desistir de todo o resto da viagem, até aquele momento planejada para encerrar-se em Santos. Por volta das 1:00 o restaurante abriu e eu liguei o celular; pipocaram mensagens de ligações perdidas e mensagens recebidas no Whatsapp, todas, evidentemente, da contato no Couchsurfing. Ela tentava se justificar dizendo que havia esquecido o celular em casa e que ao invés de ir me encontrar, havia ido direto para a faculdade. Completou dizendo que esquecera de passar meu número ao marido e que por volta das 22:30 começaram a rodar a cidade me procurando! Fantástico, não? Quem se diz viajante e se diz pronto a receber outros viajantes não comete esses erros crassos, sobretudo sabendo que o viajante sempre é a parte vulnerável por estar distante de lugares e pessoas familiares! Configuro a situação como abandono mesmo por uma total irresponsabilidade por parte destes contatos e gerei um reporte de todo o acontecido nos depoimentos no aplicativo, bem como uma negativação! A intenção não é prejudicar a reputação destas pessoas mas sim expor um erro crasso que, talvez, quase nenhum usuário da plataforma considere possível acontecer; com isso, pelas leituras dos comentários, outras pessoas poderão se precaver de errar feio, tanto sendo anfitriões como sendo hóspedes! Todavia, também tive a minha lição: nunca mais confiar "cegamente" nos contatos do aplicativo e sempre ter uma reserva de camping ou hostel como plano B. Foi aí que errei feio!

Almocei no restaurante enquanto o celular dava mais carga no balcão de atendimento. Eu havia feito um contato, também pelo Couchsurfing, para uma noite em Ilhabela e, obtendo a resposta positiva, bem como estabelecendo precauções de contato, resolvi dar a volta por cima e não finalizar a viagem! Não poderia voltar para casa com essa péssima experiência como última impressão! 
Sem qualquer remorso de não explorar nada do lugar, deixei Caraguatatuba por volta das 12:30 rumo a um paraíso no litoral paulistano... rumo a Ilhabela!




segunda-feira, 30 de outubro de 2017

5ª PARADA: UBATUBA/SP

NA "CASA DE MAINHA"! - SEG, 30/10/17


30,9 Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1253945707
Progresso da viagem: 84% (436Km)




Foi com o gostoso barulho das ondas quebrando na praia que a Segunda-Feira amanheceu e me dei conta desta pequena sorte (batalhada, claro): começar uma Segunda-Feira assim, na areia da praia!
Alguns poucos carros adentravam cedo a faixa de areia pelo acesso ao lado do camping e foram estes o meu despertador. Como o destino do dia era Ubatuba, a apenas pouco mais de 30 quilômetros, não me preocupei em estabelecer horário muito cedo para levantar... todavia, eram por volta de 8:00 quando saí da barraca para divisar o pequeno paraíso em que estava! A dormida havia sido boa já que a falta de colchão foi suavizada por um pouco de maciez da areia. Comi uns biscoitos com suco, tranquei a bike e a barraca e fui para a praia! Para o lado direito alguns bares iam colocando suas cadeiras e mesas na faixa de areia para os gatos pingados de visitantes que deveriam aparecer neste dia. Com efeito, o quiosque em frente ao meu camping não abriria por considerar o movimento das Segundas-Feiras fraco demais, fato que a dona do Camping, Semíramis, me prevenira. Com isso, se quisesse almoçar por ali teria de recorrer aos outros quiosques.
Caminhei a praia quase toda a procurar e catar conchas que parecessem interessantes afim de leva-las para minha irmã. Nos restolhos da maré havia muita coisa marítima, desde pedaços de toda a vida marinha até, infelizmente, lixo! Muitas pequenas coisas de plástico, de tampas de garrafa pet a sacos de pipoca! Em dado momento vi uma embalagem de qualquer coisa escrita em coreano... apesar de saber que muitos produtos coreanos já são comercializados no Brasil (e que o próprio porto de Santos não estava longe demais), ocorreu-me o fato de que há muito lixo nos mares oriundos de todos os países costeiros e que esse lixo viaja nas correntes, indo parar muito longe... felizmente o lixo em Estaleiro do Padre ainda era (naquela manhã, ao menos) relativamente pouco! Ao fim da caminhada havia juntado boa quantidade de conchas, inclusive de ermitões e as deixei na cerca do camping. Então fui para o mar dar o último mergulho para despedir-me adequadamente do lugar, a maré nem alta e nem baixa com ondas fracas e a água na temperatura ideal. Em seguida dei uma sondada nos preços das refeições nos quiosques e achei demasiado caro, ainda que a cidade mais próxima estivesse a 30km. Haviam  porções de pescado beirando os 100 reais para uma pessoa! Decidi "almoçar" o que tinha de mantimentos e deixar a refeição de verdade para Ubatuba!
Por volta das 14:00 eu já havia lavado vasilhas e as conchas num tanque em um canto do camping e as roupas lavadas na noite anterior estavam secas em um varal; tomei um banho morno e desmontei a barraca, reunindo todas as coisas dentro dos alforges. No acesso à praia um grupo numeroso de visitantes ia chegando, decerto vindos em excursão de ônibus, como pude constatar depois! Com tudo montado na bike, devolvi as chaves dos banheiros e uma garrafa d´água na porta da casinha da Dona Semíramis, deixei o saco com o lixo que eu produzira para que ela descartasse da forma correta e parti por volta das 15:00! No começo do acesso da praia, à beira da rodovia, dois grandes ônibus de viagens estavam estacionados com mais um grupo desembarcando munido de todas as tralhas praieiras: guarda-sóis, chapéus, bóias, bolas, panelas de comida e muitas sacolas. Parece que o quiosque do camping subestimou aquela Segunda-Feira!
Estrada um pouco movimentada, inclusive de bicicletas nos acostamentos, tanto da gente simples moradora da região em suas velhas e surradas magrelas quanto os ciclistas mais esportivos com as roupas de ciclismo e bikes equipadas. Um pouco à frente passei por dois ciclo-viajantes em sentido contrário, vindos de Ubatuba, um deles com grandes rastafaris e jeitão neo-hippie. Após o rio Quirim começou uma sequência quase initerrupta de subidas e a estrada ofereceu belos visuais panorâmicos encravada nas encostas dos morros, cinquenta a sessenta metros acima do nível do mar. virava para afastar-se da costa e subia mais e mais para reencontrar o mar ainda mais alta, elevando-se até quase 140 metros de altitude; era o morro do Felix, ponto culminante do trajeto do dia. Perto de um mirante parei para descansar e tomar água; estava claro que o corpo reclamava da sequência de 4 dias pedalando uma bike carregada por sobe e desce de morros. A estrada então despencou em uma descida íngreme rumo à praia de Itamambuca, muito indicada na região com aparente boa estrutura e ocupação semi-urbana. Em seguida surgiu a praia Vermelha do Norte com a faixa de areia quase chegando à rodovia, o mar tão próximo que o vento trazia para a pista, além de muita areia, respingos da água salgada! Logo apareceram os limites urbanos de Ubatuba e adentrei a cidade por volta das 18:00 por uma avenida principal, parando rapidamente em um mercadinho para esperar passar uma chuva repentina. No litoral do sudeste as chuvas parecem chegar quase que sem aviso! Prossegui cidade a dentro, algumas ruas em pedras bem assentadas, amigáveis à bicicleta. Logo apareceu uma ciclovia e me dei conta de que estava na cidade mais ciclística que já vira; como haviam bicicletas nas ruas e, aparentemente, os motoristas também sabem compartilhar o trânsito, talvez forçados pelo volume de bikes em circulação. Vi bikes de variadas finalidades: cargueiras barra forte, triciclos com cestos atrás carregando a feira da semana, adultos levando crianças em cadeirinhas na garupa ou à frente, bike puxando pequeno reboque, bike de sorveteiro... uma cidade que escolheu a bike para mobilidades diversas! A ciclovia bastante movimentada margeia a orla onde as praias não convidam ao banho pois estão poluídas e logo vi o causador: o rio Grande vem cortando a cidade ao meio e trazendo toda a imundície para o mar bem ao lado da principal praia urbana da cidade... uma pena!
Virei em uma rua e dei com o campo do aeroporto da cidade, um descampado todo gramado com uma pista de pouso única no meio, cercado por ruas residenciais e com um pequeno terminal. Ali encontrei o HOSTEL CASA DE MAINHA que eu reservara dois dias antes e fui atenciosamente recebido pela Sandra e o Veridiano, os empreendedores do lugar. Consiste em uma grande casa de paredes grossas e janelas guilhotina com forro paulista, paredes com azulejos em ambientes amplos, imóvel notoriamente antigo que o casal acabara de reformar para abrir o recém-inaugurado hostel. Na passagem da cozinha para os quartos até um antigo oratório de madeira faz-se presente e no hall de circulação, uma pia cerâmica trabalhada com arabescos em relevo, do tipo que se vê em filmes de época. à frente um agradável e pequeno jardim e também há um quintal lateral a toda a grande casa. Dois grandes quartos bem iluminados por grandes janelas foram equipados com triliches e armários com capacidade para até nove pessoas com pontos de energia para todas as camas e ventilador. Dona Sandra contou-me que haviam inaugurado o hostel apenas duas semanas antes e que, a priori, estavam programados para opera-lo apenas até o fim do verão, depois do qual o turismo na região praticamente desaparece devido à mudança climática. Depois de colocar a "namoradinha" em um quarto-depósito e os alforges no quarto, tecemos boa prosa com café quentinho; dona Sandra contou-me que também já se aventurara um pouco de bike e que vencera um câncer há pouco tempo. Seu Veridiano é engenheiro e, devido à atual situação econômica, não tem exercido essa profissão, ocupando-se em usar seu conhecimento para ajeitar por conta própria todo o necessário ao lugar.
Além de mim haviam apenas mais dois hóspedes para aquela noite, uma mulher e um homem, de forma que, sendo apenas dois no quarto coletivo, tive muita tranquilidade! Saí com a noite já fechada a pé rumo a um mercado afim de comprar comida, sabonete e xampu. Havia chovido forte logo depois de eu chegar ao hostel e as ruas residenciais calçadas em pedra estavam meio inundadas. A cidade não me pareceu muito insegura com crianças andando sozinhas à noite indo a lanchonetes e até fliperama (sim, ainda existe isso em Ubatuba), coisa hoje rara em Brasília! Caminhando pela orla encontrei o mercado na praça da matriz da cidade e, em seguida, ainda passei em uma grande loja de bugigangas onde comprei uma pulseira-relógio. Na orla, restaurantes e lanchonetes de tamanhos e preços variados movimentavam a noite mas não até muito tarde, com a maioria fechando cedo, antes das 22:00. De volta ao hostel, tomei um ótimo banho e preparei uma lasanha para jantar! Depois de lavar e estender algumas roupas, me recolhi para dormir no conforto de uma cama que não tinha desde a saída em Juiz de Fora! Pela janela do quarto ainda chegava o barulho das ondas quebrando na praia da orla e entrava um friozinho bom de chuva noturna!


Levantei por volta das 8:30 para tomar o café preparado pela dona Sandra; haviam pâes franceses e de queijo, frutas, café, leite e suco! Em seguida fui arrumar tudo para partir. Por volta das 10:00 a "namoradinha" já estava carregada com os alforges e, a pedido de dona Sandra e seu Veridiano, fizemos algumas fotos em frente à entrada do Hostel que disseram querer colocar no site! Achei muito legal terem me revelado a ideia de disponibilizarem futuramente bikes de aluguel para os hóspedes, que seria um diferencial interessante que não vi em nenhum outro hostel! 
Despedi-me deles muito satisfeito com a acolhida caseira no lugar e fui para a praça da matriz afim de fazer algumas fotos. Ali, um belo coreto gradeado com arabescos em ferro fundido fronteia a igreja matriz da cidade, todo o conjunto pintado em azul e branco. Infelizmente a igreja estava fechada para visitação e não pude registrar seu interior! Em seguida, pedalando pela orla, encontrei um curioso monumento da cidade que eu já conhecera em vídeos no You Tube, acompanhando o vlog de viagem de bike de um casal de Vassouras. Trata-se da ossada completa de uma baleia que, dizem, encalhou ali há muito tempo e foi enterrada. Tempos depois desenterraram a ossada e montaram tudo ali, na chamada Praça da Baleia. Sentei-me de frente para o mar para um lanche antes da pedalada do dia e, por volta das 11:00, sai de Ubatuba reencontrando a BR-101.








domingo, 29 de outubro de 2017

4ª PARADA: PRAIA ESTALEIRO DO PADRE/SP

O REENCONTRO COM NETUNO - DOM, 29/10/17

82,2Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1252670831
https://www.strava.com/athletes/17701537/training/log

Progresso da viagem: 77,8% (404Km)




O Domingo amanheceu encoberto mas sem perspectivas de chuva e o dia prometia ser abafado! Deixei a Prainha de Mambucaba por volta das 7:30 rumo a Paraty, resolvido a não ficar por lá visto que a distância coberta seria pouca para todo um dia de viagem! Ademais, a decepção com a cidade de Angra dos Reis e o pernoite na Prainha de Mambucaba mudaram minhas perspectivas de "lugar ideal para curtir o litoral" e passei a preferir praias mais agrestes, distantes das cidades (que as deixam imundas) e com pouca gente (que também deixa tudo imundo e barulhento demais). No caminho, alcancei um trio de ciclistas fazendo uma pedalada domingueira, decerto moradores da região já que nada carregavam nas bikes!

Cheguei em Paraty por volta das 9:30 e parei em uma padaria ainda a tempo de tomar um café da manhã: misto quente, pães de queijo e suco de frutas! Ali permaneci por cerca de hora e meia dando carga no celular e pesquisando as praias à frente. Desfiz uma reserva de hostel em Paraty e reservei outro para Ubatuba, que passou a ser o destino do dia! Lá fora o Sol abriu com alguma força, esquentando o fim de manhã e a cidade ficou mais e mais movimentada com carros de passeio e alguns ônibus de excursões. Saindo da padaria, passei em um mercado para reabastecer-me de rações de emergência e parei em um auto-posto para a habitual e necessária água gelada! Embora tenham me sugerido muito explorar e desfrutar desta cidade, eu realmente queria praias de mar aberto; estando Paraty numa baía, com águas quase paradas (e poluídas), deixei a cidade para trás sem dó!
Retomei a BR-101 por volta das 11:30 e logo comecei a enfrentar uma subida constante e íngreme de serra na Área de Proteção Ambiental Cairuçu. As propriedades rurais deram lugar à mata atlântica intocada e muito densa cobrindo tudo que a vista alcançava. Os caminhões subiam sôfregos as amplas curvas; o mar sumiu de vista por muitos quilômetros e um grande pontilhão atravessou uma enorme grota entre dois morros, a obra vista de longe como um colosso de concreto encravado no meio da verdura majestosa. Duas ou três vezes precisei parar para tomar fôlego e, em muitos trechos, precisei pedalar na marcha mais leve, desenvolvendo meros 8km/h nas subidas mais íngremes. No meio da subida encontrei o acesso para a praia de Trindade que tanto o Thomás em Vassouras quanto outras pessoas me haviam sugerido visitar. Eu já ia começando a trilhar o acesso quando encontrei com um homem que vinha para a rodovia a pé. Perguntei-lhe se o caminho era muito acidentado e se estava em bom estado e ele me respondeu que havia uma generosa subida de morro para chegar à praia... desisti então de Trindade sabendo que não teria força física e tempo para alcançar Ubatuba! Voltei à rodovia e, quando finalmente cheguei ao topo desta serra, 332 metros acima do nível do mar, surgiu a placa da divisa de estados. Ali eu me despedi do Rio de Janeiro com uma foto, a quarta e última divisa de estados! Entrei no Estado de São Paulo soltando a "namoradinha" em uma recompensadora descida e, pouco adiante, detive a corrida: à direita da estrada encontrei a Cachoeira da Escada, que alguém já me havia mencionado, e resolvi dar uma olhada rápida. Fica muito próxima, quase visível da rodovia e facilmente acessada para banho em águas aparentemente cristalinas e bem frias, circundada de mata atlântica e despencando em vários níveis de rochas, provavelmente vindo daí seu nome! Fiquei só na apreciação mesmo pois não havia onde deixar a bike em segurança e também estava preocupado em não ficar sem tempo para desfrutar de alguma praia mais acessível antes de chegar a Ubatuba!
Continuei a pedalada à procura de praias próximas à rodovia, cujo acesso fosse curto e sem grandes subidas e uns 20 quilômetros à frente vi, a partir da rodovia,uma ampla faixa de areia por trás da vegetação e um acesso a partir de um portal de toras, indicando a Praia Estaleiro do Padre.
Esta praia foi um dos grandes achados de toda a viagem; com acesso curto e fácil a partir da rodovia, logo chega-se a uma faixa de areia branca e fina onde ondas médias quebram na areia vindas de mar aberto, que se perde no horizonte ali. Finalmente eu estava diante do oceano mesmo, sem o rompimento das vagas por um sem número de ilhas no caminho como ocorre na baia de Angra! Ali não havia cidade jogando esgoto ao mar e o lugar é habitado por uns poucos caiçaras, alguns empreendendo restaurantes turísticos em palhoças! Detive-me por um certo tempo a apreciar aquela beleza e logo me ocorreu procurar ficar ali! Exatamente por onde eu acessara a praia, havia um camping por trás de um quiosque; um cliente do lugar logo puxou conversa atraído pela bike carregada e não demorou a sugerir que eu pernoitasse no camping, ressaltando que esta praia era muito tranquila e segura. Encontrei a dona Semíramis, proprietária do camping, e combinei com ela o pernoite por R$ 20,00! De estrutura bem frugal e simples, ainda em implantação, o Camping Toca do Guaruçá me disponibilizou sanitário, chuveiro quente e ponto de energia elétrica! Separado da praia apenas por uma cerca baixa de galhos e troncos, eu dormiria literalmente na praia pela primeira vez na vida! Dona Semiramis foi-se embora ao anoitecer dizendo-me que ficasse tranquilo pois a família proprietária do restaurante residia ali e ali pernoitaria!
Armada a barraca, saí apenas com a "namoradinha" para pedalar toda a praia de uma ponta à outra. Em um dos extremos, um arroio separava esta praia da seguinte; suspendendo a bike, atravessei-o com água nos joelhos e encontrei muitas estruturas de bares e restaurantes praieiros destruídas pelas ressacas mais violentas. Ali jaziam paredes e pisos parcialmente demolidos pelas águas, casinhas de sanitários quase arrancadas inteiras do lugar, freezeres e geladeiras quebrados e oxidados, melancólicos jazentes do empreendimento de alguma família do lugar. Nunca havia tido noção de tal poder destrutivo das águas! Segui e mais adiante, na parte mais afastada e deserta da praia, havia um carro parado com portas abertas e um casal fazia sexo despreocupadamente, ignorando minha passagem. Ali já não haviam palhoças ou quaisquer outras estruturas, somente uma mata de vegetação praieira baixa escondendo parcialmente a rodovia! 


Voltei atravessando novamente o arroio, pedalando até a extremidade oposta e retornando até próximo ao camping. Apaixonado pelo lugar que já ia escurecendo com a chegada da noite e ficando mais deserto com a partida dos poucos turistas, sentei na areia e meditei um pouco. Com o som das ondas quebrando e sentindo o sal nos respingos que o vento trazia, subitamente apareceu-me em mente uma figura de mulher com algo de sereia, porém, com pernas e trazendo à mão um arpão; vi-a saindo do mar e parar à minha frente, perguntando-me apenas no olhar o motivo de eu estar ali... e então ela sumiu, surgindo por trás o deus do mar Netuno-Posêidon, as longas barbas com algas emaranhadas e o tridente faiscante. 

"- Despe-te e vem a meu encontro, garoto!"  

Abri os olhos saindo da miração meio maravilhado e meio sem graça, julgando infantis e até piegas essas criações da minha mente! Então sem pensar duas vezes, despi toda a roupa, jogada em cima da bike, e corri nu para o mar pela primeira vez na vida, entrando na água salgada após dez anos, sem medo! Nu no meio das ondas, gritei para o mar sem saber se a praia estava deserta: 

"- Cá estou, Netuno! Vim saldar a minha dívida!"  

Eu prometera dez anos antes, nas praias em João Pessoa, que voltaria para agradecer por aquela experiência!
Vesti-me com a noite já quase fechada, as palhoças praieiras emitindo os únicos pontos de luzes! Ao longe enxerguei uma pequena faixa iluminada à beira do mar que julguei ser Ubatuba, algumas dezenas de quilômetros distante! Voltei ao camping com o restaurante da frente já fechado e a família proprietária recolhida à habitação nos fundos! Sendo o único campista do lugar, gozei de absoluta paz em uma bela noite de lua preenchida pelo som das ondas quebrando e pelos vaga-lumes cortando a escuridão. Tomei um banho quente e armei minha cozinha em cima de uma caixa d´água emborcada; preparei arroz, macarrão com atum e queijo parmesão, suco e algumas frutas de sobremesa! Com tanta tranquilidade, o sono logo veio e, mesmo sem o conforto de um colchão inflável, dormi como não dormia há algum tempo, grato pela existência daquele lugar e por poder estar ali!






sábado, 28 de outubro de 2017

3ª PARADA: PRAINHA DE MAMBUCABA/SP

NOITE CAINDO... CADÊ PARATY? - SÁB, 28/10/17


70,2 Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1252668336

Progresso da viagem:63% (327Km)



Fiquei no Hostel até por volta de 12:30 pesquisando a continuação da viagem e as atrações no caminho que eu talvez viesse a curtir! Deixei Angra às 13:00 e, cerca de meia hora depois, parei em um restaurante para almoçar, no subúrbio de onde eu viera no dia anterior, às margens da BR-101. Rápida passagem em uma farmácia e pronto: peguei a estrada rumo à próxima cidade: Paraty! 

O dia ia ensolarado com poucas nuvens filtrando o Sol, fazendo abafada a tarde de sábado! A rodovia, sempre movimentada, é também conhecida como estrada Rio-Santos e promoveu durante o dia inteiro uma viagem até certo ponto tranquila, sempre com acostamento que, na maior parte do trajeto, é razoavelmente largo. Aqui e ali, por falta de manutenção, a vegetação marginal cresce invadindo parte do asfalto e estreitando o acostamento, também bastante entulhado de galhos e restos de vegetação derrubados pelas chuvas! A altimetria alterna bons trechos planos com subidas e descidas íngremes, repentinas, de morros costeiros ao mar! A água tranquila na Baía de Angra dos Reis faz pouco barulho de rebentação nas rochas e o que chama atenção mesmo durante todo o trajeto é a exuberância da mata atlântica! Como é frondosa e densa a vegetação ali! De vez em quando surgem cascatinhas d´água bem às margens da rodovia, descidas do alto dos morros! Outras tantas vezes são as minas de água mineral saída do ventre da rocha que fazem parar os motoristas às margens da rodovia, que possui  nesse trecho poucos pontos de apoio (até mesmo postos de combustíveis). O tempo todo é intenso o cheiro da mata bastante úmida, às vezes pontuada por ocasionais garoas trazidas por algumas nuvens oceânicas em rápida passagem que, desafiando a serra, sobem para chover lá em cima, em Vassouras, Piraí e Volta Redonda. 

Em dado momento, passou por mim um carro escuro buzinando e pensei que talvez quisesse sinalizar-me algo! Ainda pedalando, fiz rápida revista visual na bike para ver se nada havia caído no caminho ou se alguma peça estaria a soltar-se; com tudo normal, continuei e logo encontrei o carro parado à frente, o motorista desembarcara com o celular na mão: 

- 'Cara, mas que bike interessante essa sua! Posso tirar uma foto desses bagageiros? Meu irmão vai viajar de bike e tá precisando de uma ideia dessas!' 

Fotografou a "namoradinha" com seus alforges enquanto eu tomava um gole d´água e desejou-me boa viagem! Embora o visual em toda a costa da baía fosse exuberante, as praias eram poucas e pequenas, a maioria bastante ocultada das vistas panorâmicas pela vegetação volumosa e seus acessos igualmente escondidos na estrada! De fato, passei direto pelos acessos de umas três que me foram recomendadas sem ter visto qualquer indicação! 
Usina Termonuclear de Angra dos Reis
Passei pelo povoado do Frade e subi um morro íngreme que me levou mais de 100 metros acima do nível do mar. Então a estrada desceu um pouco e surgiu um pontilhão a pique onde a estrada vence uma grota entre dois morros. Um chiado indistinto começava a se fazer ouvir mais a frente, lembrando uma panela de pressão ao despressurizar-se. O ruído ia crescendo e, meio que repentinamente, surgiram as instalações da Usina Termonuclear de Angra 1 e 2. Parei na entrada do lugar, no meio de um declive da estrada para fazer uma foto. O forte chiado era vapor saindo forte por um escape no teto de uma das cúpulas da central nuclear. As águas da baía em suas margens eram de um profundo verde-esmeralda! Alguns quilômetros adiante surgiu um bairro inteiro construído exclusivamente para os funcionários da Usina, com boas casas construídas em padrão e com as ruas internas limpas e organizadas, tudo cercado como um condomínio fechado e margeando uma extensa praia de areias claras e águas tranquilas! A distância de 96Km entre Angra e Paraty revelou-se demasiado longa para o tempo que eu dispunha de luz diurna, principalmente devido à altimetria acidentada que reduziu, em inúmeros momentos, minha velocidade! Assim, por volta das 17:00 eu havia chegado apenas à cidade de Mambucaba, a meio caminho de Paraty e que eu selecionara como alternativa de pernoite. Cheguei e logo de cara achei o lugar pouco ou nada amigável, assemelhando-se mais a um assentamento urbano irregular, meio favelado em alguns pontos, e transpirando uma atmosfera meio far-west. Decidido a não ficar ali, parei em um auto-posto para pesquisar alternativas próximas e encontrei mapeado um camping cerca de 4 quilômetros para trás, em um pequeno bairro chamado Praia das Goiabas. Lá chegando, desci um bocado da estrada até quase o nível do mar e adentrei o povoado de ruas de paralelepípedos muito irregulares; encontrei o camping no fim de uma rua sem saída apenas para constatar que estava fechado e sem ninguém que viesse atender e abrir o portão trancado! Ademais, o camping sequer pareceu agradável, margeando um riacho muito poluído que fazia todo o lugar cheirar mal! Talvez tivesse fechado por isso mesmo! Voltei e subi tudo de novo até a estrada, cerca de 60 metros acima do mar e resolvi prosseguir tentando alcançar algum lugar melhor adiante! Parei novamente em Mambucaba para pesquisar outros campings por perto em vão. 
O sol já ia se pondo e comecei a ter certo pânico de estar na estrada, distante de qualquer cidade mais razoavelmente estruturada. Encontrei no mapa um hostel em uma praia ali perto, cerca de 3 quilômetros adiante e rumei para lá! Saí da BR-101 entrando em um povoado praieiro de ruas de chão batido de traçado irregular, de casas variadas, muitas em construção, parecendo ser um lugar de ocupação meio recente. O barro vermelho logo virou areia e cheguei ao hostel à beira da praia, encontrando-o totalmente fechado! Estava fora de operação, enlutecido pelo falecimento de alguém... mas que falta de sorte! Meio desanimado, caminhei pela praia empurrando a bike com dificuldade, afundando pesada na areia fofa; descobri por um grupo de banhistas que mais adiante na praia eu poderia encontrar pousadas. Cheguei a uma lanchonete onde um garoto me disse para procurar ali perto pelo Tigrão, dono de um bar! 
Tigrão mora nessa pequena comunidade caiçara chamada Prainha de Mambucaba e, pelo que entendi, ali possui uma palhoça-boteco mas está construindo uma estrutura maior para substituir a original, com amplo telhado sob o qual deverá dispor várias mesas, o serviço do bar e algumas sinucas! Recebeu-me bem, sentado em companhia de um amigo, os dois petiscando algum churrasco e muita cerveja... ali perto, uma grande lata sobre fogueira cozinhava um mocotó! Sem pestanejar, permitiu-me armar barraca sob o telhado de seu bar em construção, onde dispus de uma ducha de água fria trazida de uma cachoeira, os poros da ducha meio entupidos por pedacinhos de vegetação. Dois boxes de madeirites bastante improvisados abrigavam dois vasos sanitários, latrinas temporárias da obra! Só não tive uma tomada à minha disposição. Com total ausência de sinal de celular, desliguei-o afim de guardar carga para o dia seguinte! Armei a barraca e pus tudo para dentro, prendi a bike em uma das grossas vigas de tronco da obra e saí para conhecer a praia! 
A noite estava fresca com a lua crescente desafiando as nuvens ralas, espalhando fraca luminosidade sobre o mar. As ondas, nem grandes e nem pequenas, arrebentavam na areia com pouca energia e, depois de dez anos, meus pés reencontraram o sal do mar! Senti um misto de paz e melancolia ali, invadido por sentimentos diversos relacionados a pessoas que desejei muito que estivessem comigo nesse reencontro com o mar! Na ponta da praia, um pequeno grupo de três homens e um garoto rasgavam a escuridão quase total com uma potente lanterna, caminhando rumo aos rochedos após o fim da faixa de areia... pareciam ter ido pescar! Voltei ao Quiosque do Tigrão e já não estavam lá! Me preparei para dormir. A tranquilidade e serenidade sugeridos por aquela pequena e bela praia foram feridas pelo inconveniente som alto de algum boteco próximo mas, ainda assim, senti-me bem e o sono chegou sem que eu percebesse! De madrugada caiu uma fraca chuva que libertou o gostoso perfume de mato e terra molhados!
Tigrão, anfitrião inesperado na Prainha de Mambucaba
O dia seguinte amanheceu encoberto e fresco. Tigrão apareceu acompanhado de outro amigo quando eu já terminava de guardar tudo nos alforges e os montava na bike! Infelizmente não tomei nota de seu nome verdadeiro mas fiz esta única foto para relembrá-lo aqui como mais um desses colaboradores que me surgiram, ajudando quando eu mais precisei!

Obrigado, Tigrão!



sexta-feira, 27 de outubro de 2017

2ª PARADA: ANGRA DOS REIS

ENFIM, A DESCIDA PARA O LITORAL - SEX, 27/10/17


147,6Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1249759000

Progresso da viagem: 52,2% (271Km)


A manhã de saída de Vassouras estava fresca e com céu encoberto e o capim às margens da rodovia brilhava salpicado pelo orvalho! Eram por volta das 8:30 quando reencontrei a BR-393 ainda sem definir meu destino final do dia; pretendia alcançar Angra dos Reis, todavia, antevendo uma subida de serra antes da descida para o mar, além da distância ser a maior que eu pedalaria até então. Pensei que talvez tivesse que ser mais humilde e parar em Rio Claro, no meio do caminho! Parei rapidamente em um auto-posto para abastecer-me de água gelada (a garrafa pet de dois litros enrolada no isolante térmico, minha geladeira improvisada) e retomei a jornada!
A estrada tinha um trânsito relativamente tranquilo (considerando-se que leva a Volta Redonda, uma das principais cidades fluminenses) com muitos caminhões e a paisagem manteve-se na alternância entre campos úmidos com pasto e matas de galeria. Logo ressurgia o rio Paraíba do Sul que segue uns 8km à margem esquerda da estrada até a entrada em Barra do Piraí, que alcancei em cerca de hora e meia de pedalada! Cruzando sobre o rio, adentrei o centro da cidade, um tanto espremida em ruas que não acompanharam o crescimento dos veículos e do trânsito. Um amedrontador viaduto em curva, altíssimo sobre um brejo poluído, sem acostamento e quase sem guarda-corpo foi um teste de coragem, já que era a única forma prática de prosseguir minha rota. Prossegui pela RJ-145, estradinha de interior, sem acostamento e relativamente tranquila, muito ensombreada por vegetação densa.
Rio Piraí às margens da RJ-145
Aqui a paisagem transformou-se com a presença constante do rio Piraí à margem direita da estrada, volumoso e de águas tranquilas. O céu, os morros e as matas circundantes refletidos no rio promoviam verdadeiras pinturas e parei um sem número de vezes para tentar registrar os cenários; eu não pedalava três quilômetros sem querer fazer uma foto! Com isso, demorei-me um pouco a mais nesse trajeto até alcançar a cidade de Piraí, por volta das 12:30. Adentrei esta cidade passando por uma antiga ponte de arco suspenso que deve ter sido ferroviária, passei por uma pequena usina hidroelétrica e parei para comer algo em um passeio público às margens do rio. Funcionários da limpeza pública conversavam animados jogando algum carteado em mesinhas. Olhavam curiosos para a bike com os alforges. Fiquei ali apenas meia hora, tempo de "almoçar" alguns lanchinhos (afim de ir reduzindo o peso dos alforges) e segui para atravessar a cidade onde as ruas ora são asfaltadas, ora são de pedra. Logo na saída da cidade passei sob um grande viaduto; em cima, a famosa Rodovia Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. Prossegui pela RJ-145 desenvolvendo ótima velocidade nesse trajeto quase perfeitamente plano, serpenteando os sopés de morros às margens do rio Piraí. As pontes sobre vários cursos d´água não possuem guarda corpo, sendo margeadas apenas por um meio-fio alto; atravessa-las deu medo algumas vezes, muito altas sobre os riachos! Com a paisagem deslumbrante e a estrada tranquila (embora sem acostamento), rapidamente cheguei ao povoado de Passa Três onde troquei de estrada, entrando na RJ-139, também chamada Rodovia Presidente Washington Luiz. Esta era ainda pior: além da ausência de acostamento, o asfalto estava em mau estado e subitamente a altimetria passou a variar com muitas subidas e descidas; surgiu uma serra cuja subida pareceu interminável pois eu estava psicologicamente mal-acostumado com o trajeto plano. Parei umas duas vezes para tomar fôlego e registrar uma visão curiosa e engraçada: o gado, não contente com os pastos planos nos baixios, literalmente escala os morros e vai pastar nas encostas íngremes, parecendo que vão despencar na estrada a qualquer momento! Foi a primeira vez que vi vacas alpinistas, haha! 
Praça da Matriz em Rio Claro

Transposta a serra, senti certo alívio ao encontrar a BR-494 com acostamento e bom asfalto! Após uma grande descida e uns dois quilômetros de falso plano, surgiu outra serra com outros dois quilômetros de subida íngreme e contínua! Foi o obstáculo final para chegar à cidade de Rio Claro, que adentrei por volta das 15:00. Tratei de procurar algo mais consistente para comer mas a cidade, pequena e de comércio tímido, não mostrou opções interessantes de restaurantes. Parei então em uma padaria para um lanche rápido e aumentar a carga no celular; calculando a distância e altimetria, decidi prosseguir para Angra dos Reis, que deveria alcançar ao anoitecer! Saindo da padaria, passei pela praça da matriz onde registrei rapidamente a igreja toda pintada em azul. Em uma farmácia coloquei créditos no celular e parti por volta das 15:30 rumo a Angra, distante 61 quilômetros!

Com a altimetria mais desafiadora do dia, a estrada prosseguiu cerca de 10 quilômetros quase que só de subida, espremida entre os acidentes geográficos da região mais bonita que eu vira desde a saída de Brasília! Eram como memórias de outra vida a imagens de tudo seco e morto em Minas Gerais; no interior do Rio, estiagem parecia ser algo desconhecido àquela natureza tão abundante em águas e plantas. A estrada ia serpenteando às vezes espremida entre morro de um lado e rio do outro, com árvores volumosas às margens fechando quase completamente o céu com as copas de ambos os lados unidas, fazendo da estrada um túnel verde em muitos momentos. Então chegou a Serra de Lídice, uma exaustiva e acentuada subida de dois quilômetros que foi dureza transpôr com a namoradinha pesando 40 quilos. Do outro lado, desci quase toda a altitude feita para então subir novamente até chegar ao povoado de Lídice, o último antes de Angra dos Reis. Aqui parei em uma padaria para mais um lanche sob os olhares curiosos dos funcionários do estabelecimento. O povoado é estruturalmente um tanto rude e tinha uma atmosfera de isolamento, apesar de estar em uma importante estrada. Por volta das 17:30 prossegui tendo pela frente quase 10 quilômetros quase totalmente de subidas, felizmente mais graduais, porém, constantes. 
Eu estava subindo um dos cumes da dorsal da Serra da Casaca, uma parte da cordilheira que se estende quase initerrupta desde o litoral sul de São Paulo até o Espírito Santo, despencando, em todo esse costado brasileiro, de 600 a 800 metros de altitude até o nível do mar. Os vales entre os morros foram ficando cada vez mais profundos e com matas mais fechadas ou mesmo virgens (aparentemente) onde os únicos sinais da existência da humanidade eram as enormes torres de alta tensão, gigantes de aço totalmente isolados nas matas fechadas... eu me perguntava que tipos e tamanhos de esforços teriam sido necessários para encravar em tais lugares esses pilares das nossas necessidades contemporâneas! Com essas e outras reflexões, mal percebi quando surgiu o primeiro túnel à frente na estrada... totalmente escuro mas reto e não muito longo, podia-se ao menos ver a saída. Parei para acender todas as luzes na bike e no capacete; O asfalto deu lugar a paralelepípedos muito antigos, acabou o acostamento e a pista simples de mão dupla espremeu-se no ventre da montanha meio assustadoramente, o interior do túnel muito úmido e com o musgo a cobrir parte das paredes, o chão de pedras bastante molhado... tive medo! Embora houvesse um fluxo relativamente tranquilo de carros, se alguém fizesse qualquer pequena barbeiragem ali, tornar-se-ia acidente sério com certeza! Saindo do túnel, a estrada curvou à esquerda e começou a descer com grande inclinação; à direita surgiu, por entre a vegetação, um vazio entre as montanhas que denunciava que eu havia passado para o lado litorâneo da serra e, de fato, mais adiante, o cenário me tirou o fôlego: uma imensa planície de campos muito verdes abriu-se cerca de 600 metros abaixo e estendendo-se por uns vinte quilômetros até uma pálida faixa azul que se fundia ao céu, diáfanos nas neblinas distantes e à luz do ocaso. Era o mar na baía de Angra dos Reis! Nas encostas dos vales, os maciços da Serra detinham as nuvens vindas do oceano, esfarrapando-as com seus cumes totalmente cobertos de mata cerrada. A bike desenvolveu crescente velocidade nas descidas retas alternadas com curvas muito fechadas feitas lenta e cuidadosamente por todos na estrada. Aqui fiz a maior velocidade da viagem: 64,4Km/h! Mais leve e mais ágil, logo deixei para trás os carros do meu sentido  na estrada e pude gozar do asfalto livre para a minha descida (sempre vigiando pelos retrovisores, claro). 
Pista de pouso de fazenda
Quase dez minutos após iniciada, a descida terminou e me vi na planície totalmente coberta por um capim verde-claro que eu nunca vira, aqui e ali mal escondendo casas rurais. Surgiram o gado e riachos de água muito cristalina descida da serra, convidativas ao banho e para beber, ainda que eu tivesse água potável na bike! Uma pista de pouso apareceu do nada no meio da planície, um provável aeroporto de fazenda ou mesmo regional. Devido ao horário (pois já passava das 19:00 em horário de verão), infelizmente não pude entrar em nenhum dos riachos. Ainda faltavam 20km até Angra e teria que chegar antes de escurecer! Prossegui tendo à direita da estrada o rio Jurumirim e uma garoa fina começou a cair pouco antes de eu chegar ao viaduto da BR-101; entrei em uma das maiores e mais importantes estradas do Brasil, esse colosso com mais de 5 mil quilômetros que começa no Sul e vai até o Nordeste... por ela, segui tranquilo em amplo acostamento margeando os sopés de morros de um lado e a baía de Angra do outro. O céu já escurecia quando alcancei o subúrbio da cidade com a estrada bastante movimentada.

Angra dos Reis é, em certos aspectos, uma cópia reduzida da capital fluminense onde chamam atenção, de imediato, as favelas encravadas nos morros circundantes. Na baía às margens da cidade não há praias, mas tão somente os cais de um pequeno porto de águas muito poluídas! Cheguei com noite fechada e relâmpagos luziam para o lado do mar, de onde vinha uma tormenta! Parei em frente a um posto policial para consultar a localização do camping que eu pesquisara mais cedo e o celular estava a ponto de esgotar a bateria. Andei mais um pouco pela cidade e abriguei-me sob marquises de um comércio central quando o temporal desabou poderoso sobre a cidade, os relâmpagos rasgando as nuvens e descendo à terra nas praias distantes em todo o entorno da baía. As ruas de paralelepípedos ficaram meio inundadas e o vento tentava arrancar tudo o que pudesse... fazia muito tempo que eu não via tal chuva! Tomei um açaí em uma lanchonete onde também pus o celular a dar carga e, tendo a chuva cessado, voltei a vagar pela cidade em busca do camping! O GPS me levou a começar a subida de um morro que, conforme eu subia, ia assumindo cada vez mais características de favela e nada do camping aparecer! Temendo o lugar, desci rápido de volta à cidade e parei em uma delegacia afim de conseguir mais uma carga para o celular e indicações de hostels. Depois de quase hora e meia sem encontrar o camping e com muita dificuldade de encontrar o hostel (uma casa totalmente fechada por muro e portão à frente e com apenas um pequeno banner indicando ser ali o hostel), finalmente encontrei-o! Embora eu tivesse feito reserva cerca de 1 hora antes e explicitado que trazia uma bike de viagem, a gerente me recebeu meio desnorteada com o horário da minha chegada (depois das 23:00) e com o volume dos haveres! O hostel era aconchegante e decorado de forma simples e caseira! Tendo lavado roupas e tomado um reconfortante banho quente, dormi bem, sozinho, em um quarto para quatro pessoas! Embora a diária que eu paguei só cessasse ao meio-dia do dia seguinte, a gerente, com uma dose de falta de profissionalismo e ética, pediu-me que desocupasse o quarto às 10:00 para receber um grupo que chegaria de manhã! Ademais, ainda recebeu meu pagamento de forma um tanto apressada, sem dar troco! Não fiz caso... eu só queria sair logo de Angra dos Reis, cidade que achei feia e imunda, sem qualquer valor turístico sob meu ponto de vista!
Ao salvar no Strava o percurso da viagem do dia anterior, registrei a mais longa pedalada em um único dia que fiz até então: 147,6 quilômetros rodados! Também foi na descida da serra que fiz a maior velocidade da viagem: 64,4Km/h!






A estrada após saída de Vassouras

Proximidades da cidade de Barra do Piraí

Entre Barra do Piraí e a cidade de Piraí



Proximidades de Passa Três



Vaquinhas alpinistas pastando nos morros

Praça da Matriz em Rio Claro

Rio Piraí nas proximidades de Lídice


Planície do rio Jurumirim, após a descida da serra





Na planície após a descida da serra














quarta-feira, 25 de outubro de 2017

CICLOVIAGEM MINAS - SAMPA, 1ª PARADA: VASSOURAS/RJ

VASSOURAS/RJ - QUA, 25/10/17


138,9Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1246867683

Progresso da viagem: 24,4%
Trajeto total programado: 519Km



O dia amanheceu nublado em Juiz de Fora após uma noite inteira de chuva! Acordei por volta das 6:30 sem ter dormido tanto quanto devia, a ansiedade quebrando o sono em muitos despertares na madrugada! Só levantei às 7:00 e fui  arrumando as ultimas coisas nos alforges.  Logo também se levantaram Denise e o seu Wagner e comemos juntos o desjejum! Havia um pouco de aperto no peito pois gostei muito deles e realmente fizeram sentir-me em casa! Por volta das 9:00, despedi-me deles no portão, a "namoradinha" já toda carregada pesando em torno de 40kg; parti olhando-os pelo retrovisor... quem sabe um dia eu volto, né?

Sair de Juiz de Fora foi mais difícil do que eu supunha; seguindo a sugestão de rota do Google Maps, comecei subindo um morro em direção a um bairro corretamente chamado Terras Altas e, dali, desci rumo a uma baixa onde encontrei a BR-267 (Rodovia Vital Brasil). Errei o caminho em um balão e pedalei ao menos uns 2km em direção à cidade de Bicas, erro que percebi ao parar em um posto para calibrar os pneus e conferir o mapa!. Retornei ao balão e errei novamente, deparando-me com uma estrada de chão, achando que ali continuaria a rota para a BR-040! Com boa memória do sufoco em João Pinheiro com a bike carregada em estrada de chão e, ainda por cima, estando aquela cheia de poças de chuva recente, desisti! Voltei ao balão e subi o morro novamente, voltando ao bairro do seu Wagner e tracei a rota para a BR-040 por dentro da cidade mesmo! Que sufoco aquela subida! Por três vezes precisei parar por dois ou três minutos afim de tomar fôlego e também precisei empurrar pois haviam trechos absurdamente íngremes. Em minha mente vinha a lembrança da saída de Três Marias! Essa brincadeira toda me custou precioso tempo pois, embora eu tivesse a cidade de Rio Claro no meio do caminho como opção, o objetivo do dia era Vassouras, a 127km!
Cortando Juiz de Fora por dentro e pegando a Avenida Deusdedit Salgado a partir do centro, consegui sair da cidade pela entrada principal apenas por volta das 10:15, um tanto preocupado com o tempo para chegar a Vassouras! A BR-040 finalmente reapareceu aos meus olhos quase como uma "velha companheira", muito amigável aqui neste início, duplicada e bem sinalizada! Ela, contudo, já não é a mesma daqui pra frente pois a concessão privada termina justamente em Juiz de Fora. Dali em diante não haveria o apoio dos Pontos de Atendimento ao Usuário a cada 50km que tanto me ajudaram de Brasília a BH! O tráfego estava moderado com a presença maciça de caminhões de todos os tamanhos e tipos e o cenário era muito bonito com as serras, morros e campos todos verdejantes! Com uma sequência de decidas, até a divisa de estados a altimetria despenca de 800 para 300 metros de altitude; desenvolvi ótima velocidade e alcancei a divisa por volta do meio-dia! 


Com mais uma passagem sobre o rio Paraibuna (que desce lá de Juiz de Fora), estava prestes a adentrar o estado do Rio de Janeiro! Parei para fotografar a terceira divisa de estados da viagem, comi alguns carboidratos e prossegui, margeando morros cortados para a passagem da estrada, cascatinhas d´água descendo pelas paredes de pedra e quase "chovendo" sobre mim no acostamento! Uma abundância de samambaias encravava-se nessas encostas úmidas e, à esquerda por alguns quilômetros, o rio Paraibuna com suas águas turvas! Mais adiante a estrada passou por cima de um pontilhão embaixo do qual surgiu o primeiro bairro de Três Rios; perdi algum tempo tentando encontrar uma forma de descer e já adentar a cidade por ali mas foi em vão! Continuei pela BR-040 para a entrada principal da cidade, as placas indicando direção e proximidade de Petrópolis cada vez mais sedutoras, pois sempre quis conhecer a "cidade imperial"! Resolvi deixar para uma outra oportunidade, apesar de já estar tão perto!
Três Rios é uma cidade pequena e que, a exemplo de Juiz de Fora, parece ter surgido (ou ao menos se desenvolvido) em torno da ferrovia e algumas grandes indústrias do passado! Aqui já deu pra sentir alguma diferença cultural e mesmo urbanística, com as partes pobres da cidade muito semelhantes às favelas cariocas; finalmente, depois de tanto morro em Minas, uma cidade mais plana! Pedalei relativamente tranquilo por ruas estreitas até chegar ao centro, onde o trânsito estava confuso, porém, "encarável". à cata do almoço que já ia atrasando, parei por volta das 13:00 em um restaurante no centro da cidade! Lá fora, o trem apitava ferozmente sua passagem forçada em meio à massa de carros e gente, apenas uns 50 metros à frente do restaurante; a ferrovia ainda não tem desvio para fora da cidade! A verdade é que, como diz uma tia minha, mesmo reconstruindo a ferrovia ou aeroporto distante da cidade, o povo vai pra lá morar em volta e depois fica reclamando de barulho de avião e trem, do perigo, etc.! No restaurante a trilha sonora era péssima, não pela seleção de músicas (muito boa por sinal), mas pela execução do couvert que abusava de efeitos no teclado eletrônico e cantava (ou fazia algo perto disso) versões em português de músicas estrangeiras:






A pior Knockin on Heaven´s Door que já ouvi! Terminada uma farta refeição, fiz contatos com meu próximo anfitrião e parti!

*  *  *





O lado de Três Rios por onde se sai para Vassouras é conduzido pelo traçado da ferrovia por bairros pacatos, de gente sentada às soleiras das casas simples sem portão, ao rés da sarjeta, onde o tempo parece passar devagar! Os morros foram tingidos com a luz amarelada do Sol vespertino que resolvera dar o ar da graça desde a entrada na cidade! Passando por um balão, deixei Três Rios para trás e enveredei pela ótima BR-393, também privatizada. Esta foi a estrada de interior mais bonita que peguei em toda a viagem! Fosse pela luz, fosse por mérito próprio, a paisagem no vale do rio Paraíba do Sul tornou prazerosos e mais fáceis a maior parte dos 60Km até Vassouras! à direita a presença constante de montanhas e serras que fazem parte do maciço divisor entre Rio e Minas e, à esquerda, a ferrovia cortando as fazendas e sítios, às vezes às margens da rodovia, às vezes lá pra dentro dos pastos salpicados de gado e cavalos; o rio ia também no meio e tudo terminava em outra cadeia de morros e serras, de forma que a viagem transcorre numa espécie de corredor geológico! A ferrovia acabou no povoado de Andrade Pinto, num tramo antigo de fazenda onde, num passado distante, provavelmente era carregado de pecuária e agricultura. O rio cruzou por baixo da estrada e foi-se para a direita; eu o reencontraria dali a alguns dias! Passado o bívio para Miguel Pereira, começou uma gradual mas constante subida que só cessaria em Vassouras! Em vários trechos, a estrada de pista única estava em obras de reforço e recapeamento em um dos sentidos, fazendo com que somente uma faixa do outro sentido fosse disponibilizada alternadamente para os dois fluxos, liberados e parados nas extremidades do trecho em obras! Com isso, os fluxos tornavam-se intermitentes e tudo vinha em comboio cerrado; uma quantidade grande demais de caminhões trafegava ali e subia sofregamente a serra! A subida cessou no acesso ao povoado de Maçambara e então predominaram as descidas. Fiz uma pausa de uns 20 minutos num ponto de ônibus rural para lanchar alguns morangos, suco e bolachas. Um ônibus escolar surgiu e parou numa entrada de estrada vicinal à frente onde um homem aguardava a criança. Entraram pela primeira porteira ali perto e adentraram um arvoredo rumo a uma casinha encravada lá em cima, na metade de um morro. A passarada fazia certa algazarra e pululavam grilos no acostamento! As sombras de tudo, já alongadas, diziam que era hora de ir!

Com o Sol já sumido por detrás das montanhas, cheguei a Vassouras e parei em frente a um supermercado! Contatei mais uma vez meu anfitrião para traçar a chegada ao endereço dele e então segui por ruas de pedras um tanto desconfortáveis para quem pedala. Foram a prova de fogo dos alforges! Segui para a pequena rodoviária da cidade e, finalmente, encontrei-me com meu anfitrião!

Encontrei o Thomás no Couchsurfing apenas dois dias antes, quando estava em Juiz de Fora! 22 anos, estudante de Medicina, mora sozinho num apartamento em Vassouras em função dos estudos mas a casa da família é em Volta Redonda (um pouco mais adiante)! Desmontei os alforges da bike e subimos tudo para seu apartamento. Recebeu-me calorosamente e tratou de me deixar à vontade, dispondo para mim um colchão em sua sala, a cozinha totalmente disponível e uma cópia da chave caso eu precisasse sair. Papeamos pouco pois logo saiu para algum compromisso e caiu a primeira noite em Vassouras! Eu já conhecia a cidade por mapa e fotos de satélite, então saí para fazer um reconhecimento das cercanias e comprar algumas coisas num mercadinho ali perto. Não andei muito pois estava exausto da pedalada que, com 138,9Km, constatei depois, ao encerrar atividade no Strava, que era a mais longa que eu já fizera na minha vida até então! Eu havia pedalado 12 quilômetros a mais nos erros de trajeto em Juiz de Fora!






Thomás chegou tarde da noite e eu folheava uns livros, convidando o sono! Este chegou-me como um bálsamo para as pernas levemente doloridas, desacostumadas pelos doze dias sem viajar pedalando. Lá fora, uma chuva fina esfriou e perfumou a noite tranquila. Na manhã seguinte Thomás foi cedo para a Faculdade e, ainda pela manhã, saí para conhecer um pouco mais do centro da cidade encontrando, inclusive, a antiga estação de trem! Ele revelou não ser muito íntimo da cozinha, então preparei nosso almoço: filés empanados de merluza, arroz branco, purê de batatas e uma omelete! Tendo retornado das aulas, almoçou comigo e então pegou um tempo disponível em sua tarde para levar-me a conhecer alguns lugares. Dispondo de carro, fomos à praça da igreja matriz da cidade, que felizmente estava aberta. Conheci-a por dentro com belas decorações pintadas, ora em murais, ora em relevos de gesso. Dois confessionários de madeira dispõem-se nas laterais da nave única e há até um coro! Dali saímos pela praça até o Casario Shopping, o centro comercial da cidade que consiste em lojinhas de tijolinhos em torno de pátios internos a céu aberto, ajardinados e com pergolados, como se constituíssem mini-praças da cidade! Na porção principal, uma galeria de dois andares tem no térreo os restaurantes e botequins mais refinados e, em cima, o cinema! Em seguida fomos ao Museu Casa da Hera, um casarão de família abastada do ciclo cafeeiro. Infelizmente não pudemos entrar devido ao esgotamento das visitações do dia, tanto pela chegada de um numeroso grupo de estudantes em passeio de escola quanto pelo horário! Ficamos então a caminhar pela propriedade conhecendo um bambuzal onde as touceiras, dispostas seguidamente em dois lados, curvam-se sobre um caminho como alameda, além de um local para relaxar composto de estrados flexíveis de madeira penduradas entre árvores como redes; tentei equilibrar-me em uma e fui direto pro chão!
Dali seguimos para o Mirante Vassouras, construído em cima de um morro, de onde pode-se ver toda a cidade! Para todos os lados, morros e vales Rio de Janeiro a dentro; uma foi ali feita para quiosques e lanchonetes e três cães preguiçosos dormiam ao Sol. Thomás contou-me que tinha aquele lugar por refúgio onde costumava ir com os amigos para curtirem o tempo livre com música, vinho barato e pitando algum baseado! Olhando a cidade dali reconheci-a dos vídeos aéreos que eu vira no You Tube, acompanhando o canal de ciclo-viajantes vassourenses. Não tardamos pois Thomás tinha outro compromisso, então voltamos a seu apartamento!
À noite saí para ver um pouco da vida notura na Rua Broadway (sim, Vassouras tem uma rua chamada Broadway) onde ficam alguns bares, café, lanchonetes, padarias, mercados, enfim, todos os tipos de comércio! Comprei alguns mantimentos e lanchinhos já preparando o dia seguinte de viagem e, de volta ao apartamento, organizei os alforges!




Embora o Thomás tenha estado boa parte do tempo (senão a maior parte) em compromissos, tanto da faculdade quanto sociais, foi um excelente anfitrião e sinto que fiz um amigo! Foi-me muito cordial e gentil o tempo todo e é mais uma dessas pessoas que eu não acreditava que encontraria na viagem mas encontrei! A viagem teve muito disso em seus porquês: procurar gente nova com boas conversas, viver um pouco do humano em tempo de impessoalidades virtuais! Thomás foi um achado em Vassouras como o João lá em Paracatu e ambos, inclusive, por um aplicativo (Couchsurfing) que eu nunca usara antes e no qual não botava nenhuma fé! Embora a cidade de Vassouras tenha surgido, na programação da rota de viagem, apenas como uma parada rumo ao litoral, foi aqui que conheci esse cara legal que eu quero reencontrar um dia!
Muito obrigado, Thomás! Grande Abraço!













Maria-Fumaça atrás do prédio da estação, no centro de Vassouras
Praça da matriz

Praça da matriz









Museu Casa de Hera







Museu Casa de Hera

Vista do MIrante Vassouras