domingo, 29 de outubro de 2017

4ª PARADA: PRAIA ESTALEIRO DO PADRE/SP

O REENCONTRO COM NETUNO - DOM, 29/10/17

82,2Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1252670831
https://www.strava.com/athletes/17701537/training/log

Progresso da viagem: 77,8% (404Km)




O Domingo amanheceu encoberto mas sem perspectivas de chuva e o dia prometia ser abafado! Deixei a Prainha de Mambucaba por volta das 7:30 rumo a Paraty, resolvido a não ficar por lá visto que a distância coberta seria pouca para todo um dia de viagem! Ademais, a decepção com a cidade de Angra dos Reis e o pernoite na Prainha de Mambucaba mudaram minhas perspectivas de "lugar ideal para curtir o litoral" e passei a preferir praias mais agrestes, distantes das cidades (que as deixam imundas) e com pouca gente (que também deixa tudo imundo e barulhento demais). No caminho, alcancei um trio de ciclistas fazendo uma pedalada domingueira, decerto moradores da região já que nada carregavam nas bikes!

Cheguei em Paraty por volta das 9:30 e parei em uma padaria ainda a tempo de tomar um café da manhã: misto quente, pães de queijo e suco de frutas! Ali permaneci por cerca de hora e meia dando carga no celular e pesquisando as praias à frente. Desfiz uma reserva de hostel em Paraty e reservei outro para Ubatuba, que passou a ser o destino do dia! Lá fora o Sol abriu com alguma força, esquentando o fim de manhã e a cidade ficou mais e mais movimentada com carros de passeio e alguns ônibus de excursões. Saindo da padaria, passei em um mercado para reabastecer-me de rações de emergência e parei em um auto-posto para a habitual e necessária água gelada! Embora tenham me sugerido muito explorar e desfrutar desta cidade, eu realmente queria praias de mar aberto; estando Paraty numa baía, com águas quase paradas (e poluídas), deixei a cidade para trás sem dó!
Retomei a BR-101 por volta das 11:30 e logo comecei a enfrentar uma subida constante e íngreme de serra na Área de Proteção Ambiental Cairuçu. As propriedades rurais deram lugar à mata atlântica intocada e muito densa cobrindo tudo que a vista alcançava. Os caminhões subiam sôfregos as amplas curvas; o mar sumiu de vista por muitos quilômetros e um grande pontilhão atravessou uma enorme grota entre dois morros, a obra vista de longe como um colosso de concreto encravado no meio da verdura majestosa. Duas ou três vezes precisei parar para tomar fôlego e, em muitos trechos, precisei pedalar na marcha mais leve, desenvolvendo meros 8km/h nas subidas mais íngremes. No meio da subida encontrei o acesso para a praia de Trindade que tanto o Thomás em Vassouras quanto outras pessoas me haviam sugerido visitar. Eu já ia começando a trilhar o acesso quando encontrei com um homem que vinha para a rodovia a pé. Perguntei-lhe se o caminho era muito acidentado e se estava em bom estado e ele me respondeu que havia uma generosa subida de morro para chegar à praia... desisti então de Trindade sabendo que não teria força física e tempo para alcançar Ubatuba! Voltei à rodovia e, quando finalmente cheguei ao topo desta serra, 332 metros acima do nível do mar, surgiu a placa da divisa de estados. Ali eu me despedi do Rio de Janeiro com uma foto, a quarta e última divisa de estados! Entrei no Estado de São Paulo soltando a "namoradinha" em uma recompensadora descida e, pouco adiante, detive a corrida: à direita da estrada encontrei a Cachoeira da Escada, que alguém já me havia mencionado, e resolvi dar uma olhada rápida. Fica muito próxima, quase visível da rodovia e facilmente acessada para banho em águas aparentemente cristalinas e bem frias, circundada de mata atlântica e despencando em vários níveis de rochas, provavelmente vindo daí seu nome! Fiquei só na apreciação mesmo pois não havia onde deixar a bike em segurança e também estava preocupado em não ficar sem tempo para desfrutar de alguma praia mais acessível antes de chegar a Ubatuba!
Continuei a pedalada à procura de praias próximas à rodovia, cujo acesso fosse curto e sem grandes subidas e uns 20 quilômetros à frente vi, a partir da rodovia,uma ampla faixa de areia por trás da vegetação e um acesso a partir de um portal de toras, indicando a Praia Estaleiro do Padre.
Esta praia foi um dos grandes achados de toda a viagem; com acesso curto e fácil a partir da rodovia, logo chega-se a uma faixa de areia branca e fina onde ondas médias quebram na areia vindas de mar aberto, que se perde no horizonte ali. Finalmente eu estava diante do oceano mesmo, sem o rompimento das vagas por um sem número de ilhas no caminho como ocorre na baia de Angra! Ali não havia cidade jogando esgoto ao mar e o lugar é habitado por uns poucos caiçaras, alguns empreendendo restaurantes turísticos em palhoças! Detive-me por um certo tempo a apreciar aquela beleza e logo me ocorreu procurar ficar ali! Exatamente por onde eu acessara a praia, havia um camping por trás de um quiosque; um cliente do lugar logo puxou conversa atraído pela bike carregada e não demorou a sugerir que eu pernoitasse no camping, ressaltando que esta praia era muito tranquila e segura. Encontrei a dona Semíramis, proprietária do camping, e combinei com ela o pernoite por R$ 20,00! De estrutura bem frugal e simples, ainda em implantação, o Camping Toca do Guaruçá me disponibilizou sanitário, chuveiro quente e ponto de energia elétrica! Separado da praia apenas por uma cerca baixa de galhos e troncos, eu dormiria literalmente na praia pela primeira vez na vida! Dona Semiramis foi-se embora ao anoitecer dizendo-me que ficasse tranquilo pois a família proprietária do restaurante residia ali e ali pernoitaria!
Armada a barraca, saí apenas com a "namoradinha" para pedalar toda a praia de uma ponta à outra. Em um dos extremos, um arroio separava esta praia da seguinte; suspendendo a bike, atravessei-o com água nos joelhos e encontrei muitas estruturas de bares e restaurantes praieiros destruídas pelas ressacas mais violentas. Ali jaziam paredes e pisos parcialmente demolidos pelas águas, casinhas de sanitários quase arrancadas inteiras do lugar, freezeres e geladeiras quebrados e oxidados, melancólicos jazentes do empreendimento de alguma família do lugar. Nunca havia tido noção de tal poder destrutivo das águas! Segui e mais adiante, na parte mais afastada e deserta da praia, havia um carro parado com portas abertas e um casal fazia sexo despreocupadamente, ignorando minha passagem. Ali já não haviam palhoças ou quaisquer outras estruturas, somente uma mata de vegetação praieira baixa escondendo parcialmente a rodovia! 


Voltei atravessando novamente o arroio, pedalando até a extremidade oposta e retornando até próximo ao camping. Apaixonado pelo lugar que já ia escurecendo com a chegada da noite e ficando mais deserto com a partida dos poucos turistas, sentei na areia e meditei um pouco. Com o som das ondas quebrando e sentindo o sal nos respingos que o vento trazia, subitamente apareceu-me em mente uma figura de mulher com algo de sereia, porém, com pernas e trazendo à mão um arpão; vi-a saindo do mar e parar à minha frente, perguntando-me apenas no olhar o motivo de eu estar ali... e então ela sumiu, surgindo por trás o deus do mar Netuno-Posêidon, as longas barbas com algas emaranhadas e o tridente faiscante. 

"- Despe-te e vem a meu encontro, garoto!"  

Abri os olhos saindo da miração meio maravilhado e meio sem graça, julgando infantis e até piegas essas criações da minha mente! Então sem pensar duas vezes, despi toda a roupa, jogada em cima da bike, e corri nu para o mar pela primeira vez na vida, entrando na água salgada após dez anos, sem medo! Nu no meio das ondas, gritei para o mar sem saber se a praia estava deserta: 

"- Cá estou, Netuno! Vim saldar a minha dívida!"  

Eu prometera dez anos antes, nas praias em João Pessoa, que voltaria para agradecer por aquela experiência!
Vesti-me com a noite já quase fechada, as palhoças praieiras emitindo os únicos pontos de luzes! Ao longe enxerguei uma pequena faixa iluminada à beira do mar que julguei ser Ubatuba, algumas dezenas de quilômetros distante! Voltei ao camping com o restaurante da frente já fechado e a família proprietária recolhida à habitação nos fundos! Sendo o único campista do lugar, gozei de absoluta paz em uma bela noite de lua preenchida pelo som das ondas quebrando e pelos vaga-lumes cortando a escuridão. Tomei um banho quente e armei minha cozinha em cima de uma caixa d´água emborcada; preparei arroz, macarrão com atum e queijo parmesão, suco e algumas frutas de sobremesa! Com tanta tranquilidade, o sono logo veio e, mesmo sem o conforto de um colchão inflável, dormi como não dormia há algum tempo, grato pela existência daquele lugar e por poder estar ali!






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