quinta-feira, 2 de novembro de 2017

7ª PARADA: ILHABELA

FORA DO CONTINENTE - QUA, 1º/11/17


30 Km rodados


Strava: https://www.strava.com/activities/1256753732
Progresso da viagem: 100% (519Km)



Deixei Caraguatatuba pedalando pela orla ensolarada, ironicamente bela diante de tudo que eu passara ali! Uma enorme e maciça ilha ia crescendo na paisagem marítima à frente, quase passando-se por uma continuação  peninsular do continente, seus enormes picos em altitudes superiores à de Brasília perdendo-se entre as nuvens. Conforme eu descia para o sul da cidade, os bairros iam ficando menos adensados, com os prédios rareando e dando lugar a amplas casas de veraneio, o asfalto tornando-se paralelepípedos! Cortei para leste e reencontrei a BR-101 onde, no limiar da cidade, parei em um Mercado para rápido reabastecimento de víveres! Eu não seria pego desprevenido em absolutamente nada! Certifiquei-me de que ainda possuía boa quantidade de álcool para fogareiros, créditos no telefone e parti! O tempo que eu julguei largamente suficiente para uma pedalada de pouco mais de trinta quilômetros foi se apertando com o surgimento de uma sequência de subidas e descidas que tornaram-se umas três vezes mais difíceis de transpôr devido ao cansaço acumulado de seis dias seguidos de pedaladas! 
A tarde já passava das 14:00 quando finalmente cheguei à cidade de São Sebastião, o portão continental de acesso a Ilhabela! Com ares de cidade de pescadores, a parte que aparenta ser a mais antiga conseguiu restaurar em mim, pela visão do pitoresco, aquele prazer de estar nessa viagem! Pedalei apressado pelas ruas parando umas três vezes para consultar o mapa afim de não perder tempo demais tomando rumos errados. Nunca uma cidade relativamente pequena pareceu tão enorme; nunca dez quilômetros pareceram consumir tanto do meu precioso e apertado tempo! Complementando o mapa com confirmações das pessoas nas ruas, cheguei ao píer das balsas por volta das 14:30, atualizando constantemente meu anfitrião sobre meu progresso. A balsa levou 10 minutos para chegar, desembarcar e embarcar. 
Pela primeira vez fiz uma travessia de balsa! Operadas pela concessionária Dersa, as embarcações de aço e motorizadas a diesel medem em torno de 50x20 metros, comportando veículos de todos os tamanhos e passageiros a pé e de bicicleta em deques cobertos nos cantos. Apenas veículos automotores pagam a travessia, incluindo motocicletas. "Namoradinha", como sempre, era alvo de olhares curiosos com os dois grandes alforges estanques; um homem fez notar em comentário: "-Parece até que saiu de fábrica assim, toda ajeitadinha! Geralmente o pessoal empilha e amarra a tralheira em cima da bike!" Um chuvisco repentino começara junto com a travessia e, por isso, deixei de registrar a travessia de ida para a ilha temeroso de molhar o celular! As águas do estreito de dois quilômetros de largura naquele trecho traziam ondas suaves que a proa reta da embarcação ia quebrando num leve sobe e desce rítmico, aspergindo respingos nos pára-brisas dos primeiros carros. À esquerda, um longo píer com dutos recebia dois grandes navios petroleiros da Petrobrás, de onde o óleo é bombeado pelos dutos para o continente. À direita, a saída sul do canal conduz ao mar de Santos.
Passava das 15:00 quando desembarquei em Ilhabela! O chuvisco cessara e logo ganhei as ruas do lugar, primeiro por uma ótima ciclovia que parte do píer das balsas rumo à avenida principal e, depois, para ruas às margens das praias. Uma ou duas subidas depois e eu estava no acesso à rua do meu anfitrião... e então o susto: uma subida quase vertical, com inclinação de quase 45º, calçada em paralelepípedos! Eu não aguentaria tal subida pedalando e, após alguns metros, constatei que sequer empurrando a bike com seus 40kg eu daria conta. De repente, a bike parecia ter passado a pesar 80kg! Com grande esforço, subi até um patamar à entrada de uma casa e lá desmontei os alforges da bike, que subi primeiro! Depois dessa subida, um patamar dividia-se em duas ou três ruas e eu continuaria subindo justamente pela mais íngreme... por fim, avistei a casa conforme as descrições que o anfitrião me dera!
Taiguara recebeu-me à soleira da casa meio surpreso com a cena em que eu subia a bike quase escorregando naquela inclinação. Recebeu-me calorosamente e logo voltei para buscar os alforges. Enfim, ali estávamos, "namoradinha" e eu naquela inesperada elevação 80 metros acima do nível do mar com uma bela vista para o estreito que separa a ilha do continente! Taiguara rapidamente me deu orientações para me instalar, tendo deixado à minha disposição o quarto principal da casa com uma cama de casal. Deu-me algumas orientações, apresentou-me os dois gatos moradores da casa e logo saiu para o trabalho, deixando-me sozinho na casa com as portas abertas! Que inusitado, pensei, que exista no Brasil um lugar onde ainda se recebe um "estranho" e o deixa em casa... e com as portas abertas! Depois de refletir um pouco percebi que a própria condição de ilha do lugar levava a essa sensação maior de segurança dos moradores! Meio cansado, penas coloquei as coisas para dentro do quarto, escondi a bike numa lateral da casa e preparei algo para comer! 

Vista para o estreito de São Sebastião
A casa é uma joia aconchegante, típica casa de pescador com as paredes grossas e de reboco irregular pintado de branco, janelas e portas pintadas em azul. As janelas são do tipo guilhotina, portas de madeira folha dupla e as passagens dos ambientes encimadas por grossos caibros de madeira maciça; o piso é de cimento queimado decorado aqui e ali com pequenas peças de azulejo ou pedra à guisa de mosaico e o teto tem forro paulista. Na cozinha à americana, uma grande variedade de potes com temperos, especiarias, castanhas e nozes dispõem-se em prateleiras de madeira grossa; há uma salinha de jantar com uma mesa e cadeiras rústicas, uma sala de estar onde não há TV e a peça principal é uma antiga cristaleira em cujas prateleiras abundam literaturas universais, uma coleção de câmeras fotográficas antigas, uma máquina de escrever e outras peças de decoração de diversas origens geográficas! Há também uma área de serviço, um banheiro e dois quartos. O menor pertence ao Taiguara e o maior é de um amigo, dono da casa, que mora em São Paulo e somente vai ali de vez em quando. A maior parte do tempo este quarto (que seria o meu nesta noite) é alugado pelo aplicativo de hospedagem caseira AirBnB.

 Por volta das 16:30 alguém chamava pelo Taiguara à porta! Era a vizinha, Beatriz, muito gatinha em seus 22 anos. "Rebelde", despojada e anti-mainstream, foi entrando sem cerimônia e pedindo celular emprestado para passar umas mensagens, pois estava sem... gostei dela! Logo emendamos ótima conversa e ela me convidou a ir à sua casa onde ofereceu-me um almoço tardio. Acendeu um baseado e dali a pouco estávamos conversando, recém-conhecidos, sobre amores e desilusões, as implicações sociais do sexo, ideologias e algo meio existencialista... Passei umas três horas com a "Bê" entre a casa dela e a volta para a casa do Taiguara onde o papo continuou na varanda. Pouco antes de anoitecer foi-se afim de sair com algum amigo e não mais nos vimos nos dias seguintes.
Um dos gatinhos da casa
A primeira noite em Ilhabela caiu com o aparecimento de muitos vaga-lumes e um céu estrelado, arrematada pelo marulho distante nas praias próximas lá embaixo, o ronco dos motores das balsas e ocasionais apitos dos navios. Toda essa combinação, embora não fosse, soava-me como novidade, tantos anos distante do mar no silêncio e nos vazios demográficos do Planalto Central. Taiguara chegou lá pelas 3 da manhã, seu horário habitual pois é cozinheiro em um restaurante nas proximidades. 
Acordamos depois das 9:00 e Taiguara quis me levar a conhecer uma das cachoeiras; fomos de carro e chegamos rápido, emendando a caminhada de uma trilha fácil onde, depois de uns 5 a 10 minutos, chegamos à cachoeira Paquetá, com excelentes poços para banho! Algumas pessoas chegaram ao lugar depois e, sendo ambos adeptos do "quanto menos gente, melhor", ficamos ali uns 20 minutos apenas; ele também precisava preparar-se para o trabalho! Preparou-nos um ótimo almoço e perto das 15:00 foi para o restaurante! 
Resolvi sair à cata de mais uma cachoeira que encontrei no mapa da ilha e, pedalando, dali a pouco estava na cachoeira três tombos. Não é lá convidativa ao banho com poços muito pequenos e rasos, sendo mais visual em sua queda principal. Haviam poucas pessoas e logo fiquei só, aproveitando para um banho nu sob a maior queda. Prendi a "namoradinha" a uma árvore e tentei trilhar morro acima afim de alcançar a cabeceira e fazer uma foto da vista lá de cima, certamente espetacular, mas não encontrei forma de chegar. Na volta, fiz algumas fotos do visual no acesso à cachoeira e, em seguida, parei no meio do caminho em um píer ao lado da pequena praia Portinho, onde registrei o maravilhoso pôr do Sol. Com o cair da noite, pedalei pela cidadela de Ilhabela nas ciclovias descobrindo um comércio fortemente orientando para o turismo com muitas lojas de roupas e itens diversos para praia e veraneio. Passei em um mercado e voltei à casa, finalizando assim, meu segundo dia na Ilha!



Vista da casa onde fiquei em Ilhabela




Mudinha de Canabis na porta da casa
Espelho múltiplo

Vista no caminho para a cachoeira Três Tombos

Vista no caminho para a cachoeira Três Tombos



Vista no caminho para a cachoeira Três Tombos


Pôr do Sol na praia Portinho












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