terça-feira, 7 de novembro de 2017

DE PASSAGEM POR SAMPA

PEDALANDO NA PAULICÉIA - 05 e 06/11/17

31Km rodados
Strava: https://www.strava.com/activities/1264038668


Amanheceu meu último dia em Ilhabela com céu encoberto e ameaçando chuva. Levantamos, Taiguara e eu, por volta das 10:00; um pouco antes já havia se levantado o casal hospedado na casa e já iam terminando de preparar suas coisas para partir de volta a São Paulo. Despedimo-nos deles e eu comecei a arrumar tudo nos alforges. Taiguara pegou o carro e me levou ao centro da cidade para comprar a passagem de ônibus para São Paulo em uma loja perto do píer das barcas; em seguida, fomos a um mercado e aproveitei para presentear-lhe uma garrafa de vinho de sua escolha, no que ele foi modesto! Voltamos à casa e eu terminei de ajeitar tudo nos alforges enquanto Taiguara me preparava uma ótima crepioca para aguentar o tranco. Pus os alforges no carro pois Taiguara os levaria para mim até o píer das balsas e eu fui pedalando. Despedimo-nos próximo à entrada do píer e, na pressa dos nossos horários (o meu para chegar a tempo na rodoviária em São Sebastião e o Taiguara em sua rotina doméstica), mal pude dizer o quanto me senti grato pela acolhida tão amiga! Taiguara tornou possível fechar a cicloviagem com chave de ouro nesse lugar maravilhoso que é Ilhabela!
Taiguara, parceria nota 10 para a inesquecível passagem por Ilhabela

A balsa partiu sob chuvisco, as nuvens cada vez mais escuras sobre o estreito onde, para o norte, a chuva era grossa. Os enormes petroleiros baloiçavam nas águas mais turbulentas do que no dia de chegada e um vento frio cortava a travessia. As balsas até mesmo haviam tido uma paralisação temporária naquela manhã devido à força dos ventos que, somada à enorme demanda de começo de semana, resultou em uma fila quilométrica de carros lá em Ilhabela com previsão de espera de até três horas para deixar a ilha. Mais uma vez, a decisão de viajar de bike marcou ponto a favor!

Na balsa, fazendo a travessia do estreito de São Sebastião de volta ao continente






Faltando apenas vinte minutos para o horário de embarque no ônibus, desembarquei da balsa no píer da cidade de São Sebastião. Felizmente o percurso para a rodoviária local é uma reta e cheguei ao terminal pouco antes de o ônibus encostar em sua baia. Desmontados os alforges, o motorista colocou-os junto à bike deitada no amplo porão quase vazio do ônibus. Como a quase totalidade dos passageiros faria uma curta viagem somente até São Paulo, poucos tinham algo a despachar além das bagagens de mão! Nessa viação não fui cobrado de nada em especial para o transporte da bicicleta: nem taxas extras e nem embalagem para a bike!
O ônibus partiu da rodoviária de São Sebastião com pontualidade britânica às 15:30 para uma viagem de duas horas até o terminal Tietê, em São Paulo. Logo tomou rumo norte, saindo da cidade por onde eu a ela chegara, fato que estranhei de início pois imaginei que ele subiria para a paulicéia a partir de Santos. Daí ouvi de um passageiro que a subida da serra seria feita a partir de Caraguatatuba, de forma que refiz a estrada em sentido contrário até lá, revendo pela última vez as últimas praias continentais por onde passara de bike. Então o ônibus enveredou por dentro de Caraguá parando em alguns pontos distintos para pegar mais passageiros. Fez rápida parada na rodoviária de Caraguá e seguiu para a subida da serra via SP-099. Ao meu lado, tive como companheiro de viagem um garoto de 20 anos indo para a capital para um treinamento da empresa que acabara de o recrutar. Conversamos durante o trajeto justamente sobre viagens enquanto o ônibus fazia a subida de muitas curvas serra acima. Rapidamente (para os padrões de tempo a que estava acostumado) alcançou o topo da serra de onde podia-se ver o mar já distante, uma tênue faixa azul indistinta no horizonte nublado; ali, despedi-me dele prometendo voltar! A paisagem de mata atlântica fechada começou a dar lugar a muitos pastos e plantações de pinheiros entremeados por rios com águas estagnadas que, depois, o parceiro de viagem veio a me explicar serem braços da represa de Paraibuna. Como tantas outras país afora, esta também não ia bem, com os extensos barreiros nas margens evidenciando nível baixo da água! O garoto me contou-me que um tio tinha ali uma casa e trazia-o a pescar quando moleque!
O ônibus evitou entrar em São José dos Campos enveredando pela SP-070 e, depois da cidade de Jacareí, entrou na BR-116, a famigerada Via Dutra, por onde prosseguiu entrando na grande São Paulo por Guarulhos. Logo a confusão urbana da cidade cresceu de favelas em morros e baixios para bairros cada vez mais estruturados e adensados e a rodovia foi-se tornando avenida arterial, com trânsito bastante carregado. Os grandes prédios industriais rarearam à medida que prédios envidraçados iam tomando a paisagem, evidenciando aproximação da região central da cidade. Dali a pouco caíamos na marginal do rio Tietê e logo chegamos ao enorme terminal rodoviário.O desembarque foi rápido e deixei para trás o boné que levara em toda a viagem, esquecido na poltrona.
Sempre sob olhares curiosos, montei os alforges na bike e atravessei o terminal meio perdido, chegando à Avenida Cruzeiro do Sul. Ali montei-a e pedalei rumo à hospedaria reservada para aquela noite, no bairro do Carandiru. Segui por uma boa ciclovia implantada sob a via elevada do metrô, no canteiro central da avenida. Passei pelo Parque da Juventude, construído onde outrora fora existira a maior penitenciária do país, um inferno sobre a Terra chamado popularmente de Carandiru, parcialmente demolido em 2002. Na implantação do parque, preservaram alguns edifícios ainda reconhecíveis por serem caixotões de concreto com aparência de semi-abandono e muita pichação. Entrando pela Av. Ataliba Leonel descobri que boa parte do antigo Carandiru permanece de pé e ativa como cadeia feminina.
Cheguei ao Metrô Hostel por volta das 19:00, o céu já escurecendo! Na recepção o Hostel pareceu bem estruturado e amplo, oferecendo sala de estar com PCs conectados à internet e TV a cabo, Wifi e uma cozinha razoavelmente equipada. Todavia, achei o quarto demasiado apertado pelo exagero de 12 leitos em beliches mais armários. Haviam apenas dois sanitários para essas possíveis doze pessoas e, absurdamente, um chuveiro! Levei os alforges para o quarto e saí de bike para comprar o jantar. À noite, alguns hóspedes que parecem ser recorrentes no lugar conversavam e riam alto com funcionários na cozinha até perto da meia-noite. No quarto, cerca de metade dos leitos foram ocupados; pessoas muito barulhentas até mesmo para abrir uma simples bolsa ou guardar algo, sem o mínimo bom senso para aquele tipo de acomodação coletiva, além das conversas que chegavam altas lá da cozinha... foi difícil dormir. Por volta das 2 da manhã ainda chegou mais um hóspede barulhento despertando, não só a mim, como aos demais! A experiência serviu para nunca mais escolher Hostel sem ver a quantidade de leitos por quarto e, sinceramente, eu contra-indico o Metrô Hostel em São Paulo!


O café da manhã no lugar foi bem básico mas bastante. Dei baixa da hospedagem, deixei os alforges guardados em um lugar na recepção e logo saí com a "namoradinha" para dar umas voltas por Sampa! Desci primeiro para o terminal Tietê onde fiquei lá e cá entre os balcões de duas viações vendo a passagem para Brasília e as condições de despacho da bicicleta. Infelizmente, ali a ganância se fez presente em ambas e acabei optando pela Viação Catedral, onde tive de pagar R$ 100,00 para despachar a bike além de ter de providenciar uma caixa para embala-la! Resolvida a compra da passagem, desci para o centro, rumo à famosa Avenida 25 de Março onde pretendia comprar uma variedade de itens para a bike, utilidades domésticas e para viagens futuras com preços camaradas... ilusão! Em TODAS as lojas que entrei na 25 de Março, os preços estavam iguais aos de qualquer feira de importados em Brasília! A variedade de lojas sequer foi capaz de mostrar disponibilidade de todas as coisas que eu procurava e fiquei pensando em quê aquele lugar justifica toda a fama que tem! A rua é um caótico formigueiro onde carros e pedestres disputam o pouco espaço com camelôs, pregoeiros, ambulantes e pedintes e onde flanelinhas tomam descarada posse das vagas de estacionamento públicas nas ruas, extorquindo os motoristas. Alguns tinham até máquinas de cartão à mão, cobrando estacionamento em vagas rotativas e não entendi se é uma coisa autorizada ou mesmo organizada pela prefeitura ou se é mesmo a extorsão elevada a um novo patamar!
Pelo Google Maps no celular, pedalei rumo à Liberdade, entrando na rua Galvão Bueno pela extremidade sul. Subi-a inteira sob suas lanternas orientais vermelhas e brancas revisitando lojas conhecidas nas várias viagens que para ali eu fizera com o grupo de tambores japoneses do qual participei por anos. Como adoro comida japonesa, tratei de almoçar e comprar um bentou (marmita japonesa) além de várias outras gostosuras. Ainda insisti em procurar alguns itens da minha lista de compras da 25 de Março mas em vão! O que eu encontrei estava ainda mais caro do que em Brasília! Já iniciando meu retorno ao Hostel, passei pela Praça da Sé para rever a bela catedral em estilo neo-gótico.
Voltei para o Hostel e montei os alforges na bike, saindo à procura de um lugar onde pudesse conseguir a caixa de bicicleta. Rodei um bocado indo ao Carrefour próximo ao Terminal Tietê e depois perdendo considerável tempo tentando encontrar a loja Decatlon sem sucesso, perdido no emaranhado de ruas. Por fim, fui encontrar uma grande loja de bicicletas perto do Parque da Juventude, a Bike North onde, expondo minha situação, fui pronta atenciosamente atendido e logo me trouxeram uma caixa de bicicleta aro 29'. E lá fui eu, levando até o Terminal Tietê a bike carregada em uma mão e a caixa no outro braço... a quantos esforços se presta um ciclo-viajante, pensei!

Cheguei ao Terminal Tietê três horas antes do horário de partida do ônibus, marcado para as 20:00. Ainda pude jantar o bentou trazido da Liberdade e dar carga completa no celular em um totem com muitas tomadas disposto no terminal para este fim. Por fim, minha companheira dessa saga de 33 dias, essa guerreira que havia rodado quase 1400Km desde Brasília, que encarou poeira fina e lama, pedregulhos, mato e areia de praia, que subiu e desceu uma montanha duas vezes... agora a "namoradinha" ia sendo reduzida para caber em sua caixa, desmontada quase totalmente peça a peça. A "namoradinha" fez e resistiu a muito mais do que o esperado quando a adquiri ano e meio antes e não pestanejou! Lembrei de seu único "momento de mau humor" na trilha para a cachoeira lá em João Pinheiro-MG... e nunca mais deu trabalho! Não precisei de uma bike cara com peças de primeiríssima qualidade para fazer a viagem! Submeti-a a provações maiores do que diziam que ela aguentaria! Agora, ela viajaria protegida e descansada!

Entrei no ônibus revendo mentalmente toda a vivência da viagem e percebendo que eu mudara nos receios e na amplidão de horizontes. Estava voltando para casa mas já não sentia mais o mundo como algo fora de casa! Eu tornara, ao menos em minha alma, todo o mundo uma casa possível para mim! Eu pedalara apenas um pedaço de Brasil mas já sentia e ainda sinto ao escrever agora: ainda há muita estrada a pedalar! Como versa um livro de que gosto muito:

"Essa é uma outra história e terá de ser contada em outra ocasião!"

O guarda municipal até tentou... mas não soube fotografar! rs

Ajudinha para embalar a bike para viagem

De volta para Brasília

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